28 janeiro 2018

fascínio biográfico

Se não estou em erro, terá sido na noite do dia 18 de Janeiro, já bem tarde, que dei de caras com um documentário sobre o poeta Eugénio de Andrade na, tão mal tratada, RTP Memória. Foi num zapping,enquanto procurava vontade de me ir deitar, que encontrei esse testemunho datado de 1992 e gravado na cidade do Porto. Pelas imagens consegui identificar quase todos os lugares por onde o poeta existiu na Invicta. Tendo percorrido toda a sua vida e todas as cidades por onde passou, a narrativa da sua vida acaba por ter na cidade do Porto o seu maior capítulo, pois foi nela que viveu entre 1950 e o dia de sua morte, 13 de Junho de 2005. Na altura, em 1992, Eugénio de Andrade estava já reformado e grande parte do seu tempo era passado em sua casa, então na Rua Duque de Palmela.
Mais do que a sua obra poética, que conheço mal, a mim fascina-me a dimensão biográfica que, normalmente, fica na sombra destes vultos das artes. Dei comigo, qual voyeur, a tentar ler as lombadas dos livros que aparecem por trás do poeta e que com certeza ele um dia leu, a espreitar para os sofás e as poltronas que se vislumbravam, a tentar conhecer a sua secretária e a sua máquina de escrever. O fascínio de procurar e encontrar pequenos e ordinários caracteres do quotidiano e comuns a milhares de pessoas, nas vidas destes génios literários.
No dia seguinte, portanto, dia 19 de Janeiro, tive que ir ao Porto e ao passar junto à Biblioteca Municipal do Porto, junto ao jardim de S. Lázaro, lembrei-me que a Duque de Palmela era ali bem perto e, sem hesitar, lá fui eu à procura do número 111 dessa artéria. Logo a encontrei. Encostei o carro como pude e fui-me por em frente do prédio, do outro lado da rua. Nenhum sinal de vida no 2º andar onde ele vivera, as persianas estavam a meio e mesmo no resto do prédio não percebi qualquer movimento. Ali fiquei uns minutos num estado contemplativo e reflexivo. No fim e com muito pudor tirei esta fotografia ao prédio. Entretanto, aproveitando as maravilhas da tecnologia televisiva, já voltei a ver o documentário.

19 janeiro 2018

novo projecto

Pois é, ano novo, vida nova, como se costuma dizer. Na verdade, a ideia tem já vários meses e foi sendo desenvolvida ao longo do ano de 2017. Trata-se de uma pequena organização que denominei "A EIRA" e que tem por objectivo trabalhar, estudar e reflectir sobre os caracteres sociais e, acima de tudo, culturais. Perspectivar os territórios e seus agentes naquilo que foram, são e serão, as suas dinâmicas e manifestações culturais.
A percepção de que que existem lacunas no pensamento e, principalmente, na reflexão cultural, foi uma das motivações principais para este empreendimento.
Criei um espaço na internet, como que um cartão de apresentação, que poderão visitar em www.aeira.org - para conhecer.

11 janeiro 2018

legalização da canábis



Foi hoje discutida na Assembleia da República um projecto do BE e do PAN para a legalização da canábis com fins medicinais. Acontece que já se sabia que o PSD, o CDS e o PCP iriam votar contra. Talvez por isso, o BE e o PAN, antecipando-se, propuseram que a proposta baixasse à especialidade, em sede de comissão de saúde, sem votação. Aquilo que me parece importante, para além da qualidade e defeitos das propostas hoje apresentadas, é a evidência científica mais do que consensual do uso da canábis como terapia para algumas doenças crónicas ou terminais. Não sou consumidor da substância, apesar de lhe achar alguma piada, mas nada abstenho ao seu uso e consumo, seja para fins terapêuticos, seja para puro e simples prazer e recreio. A sua legalização, se mais não fizesse, impediria o tráfico e a enorme especulação do produto. Tal como noutras matérias ditas fracturantes (aborto, casamento homossexual, etc) a hipocrisia de muitos daqueles que nos representam é gritante. Fartam-se de consumir todo o tipo de drogas, mas tornar isso lei e acessível a quem mais precisa delas não. Isso não. É pecado.

frenesim

Diz-me quem sabe, porque o tem sentido no seu serviço, que a função pública - administração central e administração local - anda num frenesim louco por causa do descongelamento das carreiras da função pública, inscrito no orçamento de estado de 2018, e com entrada em vigor no passado dia 1 de Janeiro. São manifestas as incapacidades dos muitos e diversos serviços em conseguirem actualizar todas as situações, num tão curto espaço de tempo, mas a está a ser feito e tem efeitos retroactivos desde o dia 1 de Janeiro.
Não deixa de ser um facto interessante e digno de atenção, pois não só reflectirá o sentimento desses muitos cidadãos, como releva a importância social desse instrumento que são as progressões nas carreiras. Congeladas há muitos anos - há pessoas com a carreira congelada desde 2007/2008 - as carreiras eram um dos atractivos para quem ingressava na função pública e, como será fácil entender, toda a gente gostava e queria progredir na sua carreira profissional, pois não só lhe permitia ter um incremento no salário, como acumular melhores condições para uma reforma futura. Depois destes anos todos em que tudo esteve estagnado, de muita resignação e desânimo, compreensível é a ansiedade e a excitação dos funcionários públicos para saberem da sua situação: se têm ou não direito a uma actualização, leia-se progressão, na carreira.
A política de reposição, prometida por este governo, está a concretizar-se e este descongelamento é um momento importante. Portanto, senhores e senhoras, não se esqueçam de nas próximas eleições votarem no CDS!

mediascape:importunar

« Nous défendons une liberté d’importuner, indispensable à la liberté sexuelle »

Contra um determinado feminismo que hoje impera por todo o lado, um colectivo de cem mulheres francesas assinaram um manifesto publicado no jornal Le Monde. Dessas signatárias destacam-se várias escritoras, jornalistas, pensadoras, cineastas e actrizes, sendo o rosto mais mediático o da actriz Catherine Deneuve. O documento que se afirma contra esse feminismo que "odeia os homens" e que confunde uma violação com o galanteio ainda que desajeitado ou insistente, teve impacto, não só em França, naquilo que é a opinião publica e publicada, e as reacções fundamentalistas desse tal feminismo não se fizeram esperar.
Finalmente, alguém teve a coragem para desconstruir esta irritante e estúpida tendência feminista, que se afirma tão moderna, actual e politicamente correcta (esse dogma da superficialidade), manifestando-se de forma tão radical e extremista, que acaba por incorrer nos mesmos erros daqueles que recrimina. Sim, sou defensor da igualdade de géneros (deveres e direitos), nunca me considerei machista, mas também não consigo aceitar este novo discurso de gajas ressabiadas, complexadas e descompensadas. É que ser homem e ser mulher não é a mesma coisa, e a diferença não é só biológica - genética, fisiológica, psicológica, é também cultural e social - hábitos, costumes, práticas, rituais, rotinas. Por muito folclore e ruído que esse tal feminismo faça ou venha a fazer, a diferença permanecerá, sem que isso tenha obrigatoriamente que ser um facto negativo.
Somos diferentes e ainda bem.

09 janeiro 2018

intangível

Nos seus Diários de Viagem, Franz Kafka, às páginas tantas escreveu:
...ofuscada de imediato com a meia-luz do quarto, quis esconder depressa a cara atrás das mãos, mas pela janela, diante de cujo caixilho a neblina que ascendia da iluminação da rua finalmente se detinha sob a escuridão. (página 69)
Agora que os estou a reler, fixo-me novamente nesta frase, e desta vez por causa de uma nota de margem que um dia lá registei. Por mais que a leia não consigo vislumbrar o cenário que ele pretende descrever. É para os meus sentidos e sensibilidade impossível atingir tal paisagem.
A nota, a lápis, que lá escrevi, diz: que puta de frase!

decepção

Desde que descobri que se vendiam livros no OLX, passei a frequentar assiduamente e a pesquisar frequentemente por livros que quero ter e à descoberta de bons "negócios". Durante o ano de 2017 terei comprado, através desta plataforma, várias dezenas de livros que, na sua esmagadora maioria, estavam em excelente estado de conservação. Por assim ter sido, foi uma desilusão quando abri o último livro que lá comprei e que me chegou às mãos por estes dias. Trata-se de um pequeno livro chamado "A Sociedade Transparente" de Gianni Vattino, que sem saber se teria interesse ou não, o comprei porque era quase de graça e publicitava-se em bom estado. Não está. Todo sublinhado, com anotações a caneta por todas as margens e com parágrafos inteiros pintados a verde florescente, transformando-os em passagens importantes do texto, quando na realidade não o são. O estado lastimável do seu miolo fez-me lembrar os estudantes que, ávidos de conhecimento, quando a ler apontamentos, fotocópias de artigos ou mesmo livros, sublinham e sublinham quase tudo... ridículo e contra-producente.
Queria incluí-lo no meu acervo, mas estou a ponderar se o devo ou não fazer. Foi a primeira vez que tal me aconteceu, o que me levou a suspender as visitas quase diárias à plataforma e a suspender alguns negócios que estavam em andamento.

solilóquio

Sempre gostei de gostar de café; agora, detesto não gostar de café.

03 janeiro 2018

ctt, uma vez mais!

Aquilo que está a acontecer nos CTT é uma vergonha nacional. A sua privatização deu nisto - um conjunto de accionistas única e exclusivamente preocupados com os seus lucros e a desprezar o serviço público de distribuição postal a que está obrigado. Já aqui escrevi sobre esta privatização, mas agora, com a notícia do fecho de vinte e dois balcões por todo o país, maioria dos quais em concelhos do interior, temos a prova das verdadeiras e únicas intenções da empresa. Uma vergonha que deveria merecer a intervenção do Estado e a reversão da sua privatização, regressando o serviço público para o Estado, de onde nunca deveria ter saído. Por outro lado, fica também aqui manifestada a verdadeira essência do sector privado quando consegue a adjudicação de qualquer serviço público. É por este exemplo, como o da ANA, ou o da REN, que acredito que deve ser o Estado o dono destes sectores estratégicos nacionais. Sem hesitações, contemplações, ou qualquer receio, o Estado deve ser muito mais do que um simples regulador ou supervisor.