31 outubro 2016

perguntar ao tempo, o tempo que faz

Último dia do mês de Outubro e anda gente de manga curta e de calções na rua. Fim-de-semana prolongado e por causa dos mortos e santos fiéis, meio país deslocado em romaria para os cemitérios e eu também. Afastado dessa parafernália consumista de velas, vazos e flores e flores, aproveito o tempo para me ocupar das minhas coisas, aquelas que ninguém gosta, ninguém quer, ou sequer valoriza. Mas raio, não precisava desta temperatura, deste sol, deste calor. O relógio biológico já vinha à procura do aconchego da lareira, de alguns bilhós e, quiçá, de uns tragos de jeropiga. Mas não, anda-se na rua e bebe-se cerveja para refrescar. No último dia de Outubro.

28 outubro 2016

medo

Aí está o número oito da revista Granta Portugal, cujo tema é o medo. Desta vez mais cedo e mais barata, pois resolvi assina-la. A acompanhar a encomenda que chegou hoje pelos correios, vinham três livros de oferta, dos quais destaco a biografia de Luiz Pacheco, "Puta que os Pariu", que já comecei a ler.
Ainda bem que chegou mesmo a tempo de viajar comigo para um fim-de-semana maior e mais tranquilo que o habitual. Vamos lá.

25 outubro 2016

serões sem ditadura


Como são bem mais agradáveis os serões sem a TV ligada. Escolher manter o aparelho, todo poderoso da vida de todos nós, desligado, liberta-me para tantas outras opções tão bem mais interessantes e aprazíveis que a ditadura da televisão impede ou oculta. Ainda por cima é sem qualquer tipo de sacrifício que a mantenho em off, pois o lixo televisivo é cada vez mais tóxico e prejudicial à saúde e à inteligência de cada um de nós. É cada vez mais, para mim, um modo de vida. Poder escolher aquilo que queremos ouvir e fazer uma selecção musical ao sabor do humor; lermos aquilo que queremos ler em paz e sem ruídos perturbadores; procurarmos as notícias e o ritmo do mundo que nos rodeia em modo self-service, sem promoções e sem adds; escrever, teclar e bloggar sem interferências e o vinho, generoso e velho.
Longa e boa noite.

regresso à grande tela

Num fim-de-semana pachorrento como este último, pûs-me a ver, com olhos de quem está mesmo interessado, a lista de filmes que estão disponíveis nas salas de cinema. Nada de interessante que segurasse os meus sentidos e a minha curiosidade, a não ser um filme que está em exibição apenas no Arrábida Shopping e num único horário, às 17:50 horas - para um pai de família não deve haver pior hora para decidir ir ao cinema. Não havendo alternativo, acomodadas as crianças, lá fui eu, no Domingo, ver "Um editor de génios" de Michael Grandage e com um elenco superior onde se destacam os papeis desempenhados por Jude Law, Colin Firth, Nicole Kidman e Laura Linney, num ambiente dos "loucos" anos 20 e sobre a relação de um editor conceituado e respeitado no mundo literário com um jovem brilhante escritor. Gostei muito do filme e, uma vez mais, Jude Law e Colin Firth, jovem escritor e editor, respectivamente, demonstram toda a sua arte enquanto actores.
Tendo em conta o horário da única sessão disponível, sempre pensei que iria estar sozinho ou quase na sala de cinema. Enganei-me. Éramos oito pessoas e eu fui acompanhado pela pessoa com quem mais gosto de ir ao cinema.

23 outubro 2016

o que elas são

Na semana passada, estava a caminhar por uma rua de Dublin - o tempo estava assim como hoje; suave, de final de Primavera, início de Verão - quando uma rapariga passou por mim e eu apanhei o perfume dela no ar: um perfume maravilhoso... Só os homens conseguem captar esta espantosa essência feminina, feita delas mesmas. Não é um perfume artificial; é o cheiro delas, das mulheres e do que elas são. Por momentos, fiquei num estado de felicidade absoluta. (John Banville, in LER)

18 outubro 2016

para este outono

Não sei qual ou quais as razões, mas a edição desta revista está cada vez mais difícil. Dá a sensação que é a custo que a publicam. É pena, pois faz-me sempre falta. É com avidez que a procuro nas bancas e, depois, a leio. Obter informações sobre ela é quase impossível, pois o seu portal está desactualizado e mesmo a página do facebook não tem quase actividade.
Este número de Outono apresenta, tal como tantas outras vezes, uma capa lindíssima. Vamos LER.

14 outubro 2016

materialidade e metamorfose de joan miró

(sem título, óleo sobre cartão, 1935)

Aproveitando o vazio do inicio de tarde desta sexta-feira, tentando fugir às confusões dos fins-de-semana, fui a Serralves ver a famosa e mediática colecção de Joan Miró. Instalada em várias salas da casa principal de Serralves, a colecção contempla setenta e oito obras do artista catalão. Expressiva, intensa e impressionante obra, nalguns casos pela simplicidade do traço, das cores ou das morfologias, noutros pela complexidade das perspectivas e pela exploração dos materiais. A mim impressionaram-me particularmente seis ou sete trabalhos e a que mais gostei é a que em cima reproduzo (pedindo desculpa pela fraca qualidade da câmara do meu telemóvel).
Numa outra abordagem, agora e com mais propriedade, eu diria que aqueles que um dia pensaram desfazer-se deste imenso património são umas bestas, sem uma réstia de sensibilidade e incultos, mercadores do vil metal cujo fito é sempre e exclusivamente o dinheiro.
Meus senhores, minhas senhoras, meninos e meninas, não deixem de visitar esta colecção, pois é o único e o autêntico em todo o seu esplendor.

(na sala 4 da exposição, junto do referido quadro e para memória futura)

13 outubro 2016

pedrada no charco da escrita

Para espanto generalizado da ortodoxia literária mundial, soube-se hoje que a Academia Sueca atribuiu o Nobel da Literatura a Bob Dylan. Não sendo eu um admirador da sua música, respeito e considero a sua carreira e portanto está bem entregue. A única consideração que esta escolha me merece é confessar que, tendo em conta o meu conhecimento, o meu gosto e a minha sensibilidade musical, preferia que o escolhido fosse Leonard Cohen. Digo eu para mim.

09 outubro 2016

mediascape: a morte

Hoje no Jornal Público é publicada uma entrevista ao Padre José Nuno, capelão do Santuário de Fátima, onde, a propósito da Eutanásia e da proposta sobre a morte assistida, se refere à actual erradicação da morte do espaço público e de como a sociedade vive convencida, perante o poder da tecnologia e da ciência (medicina) para iludir a morte, que a vida não contempla a morte. Tem razão, e não só tem razão como apresenta uma proposta, em tese, muito interessante, de incluir o ensino sobre a morte nas escolas. Não importa se estamos ou não a falar da morte "religiosa", ou se ele não está mais do que a defender a manutenção e o reforço da disciplina de Religião e Moral nos programas escolares, mas releva o facto de ser verdade que a nossa sociedade - a família, a escola, as organizações e até as religiões - nos terem vindo a educar de costas para esse momento último da vida. Haverá, com certeza, várias causas e explicações para isso ter acontecido, das quais talvez eu destacasse duas: a 1ª) a alteração do modo de vida, ou seja, a urbanização dos indivíduos e famílias às custas da desruralização do país (reparem como há, ainda hoje, enormes diferenças entre os enterros no mundo rural e nas grandes cidades) e, a 2ª) o paradigma dominante do elixir da eterna juventude, em que as diferentes indústrias apostaram e fizeram acreditar que, nos modos, nos trajes e na alimentação, as idades não contam e a morte, essa, estará sempre bem longe e bem iludida.
Uma das características mais notórias dessa nova percepção da vida e que remete a morte para espaços e tempos de exclusão, é o completo e obcecado afastamento das crianças desses rituais de passagem, dando razão ao referido padre quando sugere "levar a morte" para a escola. Bem sei que quando se é ainda jovem a noção do tempo, a noção desse inolvidável fim é algo muito abstracto e sem importância, talvez por isso também, os adultos queiram proteger as suas crianças e suas consciências desse fatídico momento.
Uma boa reflexão para os próximos tempos.

05 outubro 2016

mediascape: não me toquem nos 'cojones'

Chamaram-me hoje à atenção para este pequeno vídeo de uma conferência de imprensa de um jogador de futebol espanhol. Nunca na vida vi nada assim. Surpreendido, fiquei siderado com a qualidade, com a coerência e com a veemência, mas também com a coragem, a potência e a elevação com que o jogador se dirigiu a um determinado jornalista. Aqui fica o vídeo e aqui o link para a notícia com todos os detalhes deste magnífico momento.


É que o estereótipo de jogador de bola nunca coincidiu com tal personalidade, com tal discurso. Estamos habituados ao futebolês de sempre, do vira-o-disco-e-toca-o-mesmo, das frases feitas, das perguntas e respostas mais que previsíveis, do graças-a-Deus, dos tropeções à língua, etc., etc.
Ficou-me uma questão final por responder. Deixo-a aqui à comunidade para reflexão e, se assim entenderem, responderem:
Conhecem algum jogador português, actual ou do passado, capaz de realizar algo parecido? Eu, com dificuldade e com sérias reservas, identifiquei um, mas vou esperar por algum comentário para identifica-lo.

04 outubro 2016

hortelã mijada

Não gosto do cheiro nem do sabor da hortelã. Com grande certeza serei dos poucos que não aprecia tal aroma, dada a proliferação desta planta por todos os cantos e recantos da nossa civilização. Diz a história que a hortelã-vulgar, cujo nome científico é Mentha Spicata, sempre esteve presente na farmacopeia chinesa, que os romanos acreditavam que o seu consumo beneficiava a mente e, em concreto, a inteligência, mas terão sido os egípcios os primeiros a documentarem a sua utilização. Os entendidos na coisa dizem-nos que esta planta aromática e com inúmeras propriedades medicinais é indicada para variadíssimas patologias, tais como as más digestão, as náuseas, os vómitos, febres, dores de cabeça e constipações. Para além disto, é anti-séptica, diurética e estimulante. Depois, temos as diferentes formas de a consumir, sendo que a mais habitual é a infusão, mas também há registos da sua mastigação para cuidar do hálito e para cuidar da garganta, assim como a relativa secagem das suas folhas para compressas e para inalação de vapores. Mais recentemente, assistimos à sua transformação num produto gourmet e na moda, através da sua utilização massificada na actual culinária de empratamentos, de autores e de grandes fomes. Iguaria omnipresente em tudo que é saladas, sobremesas, bebidas, gelados, doçarias, rebuçados, pastilhas elásticas e afins, serve igualmente como aroma para anular qualquer outro cheiro ou sabor presente, naquilo que eu chamaria de ditadura da hortelã...
Se a enquadrarmos num ambiente popular e tradicional, facilmente a encontramos e verificamos que a sua utilização motiva não só a sua procura, como principalmente, o seu cultivo, naquilo que poderemos entender como uma autonomia de produção e consumo. Aquilo que esta sabedoria popular nos diz desta planta não difere muito daquilo que a sapiência afirma, muitas vezes divergindo apenas na nomenclatura dos males ou aflições em que é remédio santo. Também é neste ambiente e neste conhecimento popular que encontraremos todas as divergências geográficas relativas ao seu uso e consumo, ou seja, o conhecimento acerca da planta e suas especificidades poderá variar geograficamente, levando a relativas diferenças no seu uso.
Terá sido algures na segunda metade da década de noventa, numa conversa com um velho conhecido, homem já na sua oitava década de existência, bem perto da porta de sua casa e aproveitando a sombra de uma velha parede semi-ruída e a ligeira brisa que o estreito canelho proporcionava, que ele me revelou o segredo de tamanho sucesso da hortelã. Ele tinha por hábito mascar as folhas frescas ou já algo secas desta planta. Dizia ele que como fumava muito, a hortelã o ajudava na tosse e no catarro. Quando estava à rasca nada lhe fazia melhor do que a hortelã. Ao mesmo tempo que me ia dizendo estas coisas, também afirmou, num tom de confidência mas com um certo ar trocista, que o segredo da hortelã era o mijo. O mijo dos animais e das pessoas. Perante a minha admiração, disse ele:
- Já reparaste que a hortelã aparece em todo o lado aqui pela aldeia, nos lameiros e pelo monte? Se vires com atenção, ela cresce por aí encostada a qualquer muro... e sabes, principalmente onde os homens, os cães, os gatos e até as raposas vão mijar. Eu até acho que nós procuramos o sítio delas para nos aliviarmos. Elas chamam por nós porque precisam do nosso mijo. Os homens quando saem da taberna vão sempre mijar em cima das hortelãs e elas estão lá sempre mimosinhas. Porque será? Nunca tiveras pensado nisto?!
- Não senhor. Respondi eu, com certeza, incomodado. Às tantas, por causa deste saber adquirido há tanto tempo, sempre que em contacto com esse aroma ou sabor, não consigo deixar de os relacionar com urina e de questionar se o segredo para o seu sucesso não será mesmo essa rega suplementar.

03 outubro 2016

provinciano és tu e a tua tia

A propósito da instalação definitiva(?) da colecção Miró na Fundação Serralves da cidade do Porto, apanhei um pequeno comentário do colunista do jornal Público, Manuel Carvalho, sobre declarações de um tal Nuno Vassalo Silva, director-adjunto do Museu Gulbenkian. Desconhecendo essas palavras fui à sua procura e lá acabei por encontrar isto:
“É uma decisão lamentável, a ceder ao imediato, e que só demonstra como em Portugal é difícil implementar um programa de cultura, porque a tentação mais imediata é seguir os caminhos mais fáceis e atractivos”;
“Se expor a colecção em Serralves é uma boa ideia”, decidir que ela fique depois na cidade manifesta “uma visão provinciana”, acrescenta Vassalo e Silva, descrendo que ela faça “desviar os turistas que vão a Barcelona, a Madrid ou a Nova Iorque” ver os Mirós.
Que raio de mania desta elite da metrópole de considerar que o mundo centrifuga à volta de Lisboa e que o país se esgota para lá dos seus arrabaldes. Meus senhores, há muito país, muita gente, muito conhecimento, arte e cultura para além dos Pastéis de Belém e dos pseudo-cosmopolitas da capital. O problema destas afirmações é que são o espelho da real perspectiva que estas personagens têm da cultura, do seu acesso às comunidades e aos indivíduos e do próprio país; o problemas destas personagens é que são elas que estão no poder ou no seu círculo e determinam ou influenciam as políticas culturais não só para a cidade capital, mas também para o resto do país que, provavelmente, não conhecem.
Mas regressemos ao comentário de Manuel Carvalho, bem mais acertivo na crítica a Nuno Vassalo Silva:
Alguns intelectuais da capital não resistem ao disparate sempre que no ar há um ténue perfume de descentralização cultural. A história repete-se com a colecção Miró, cuja instalação no Porto levou Nuno Vassallo Silva, director-adjunto do Museu Gulbenkian a falar de uma “visão provinciana” que denuncia a tentação do poder político em seguir “os caminhos mais fáceis e atractivos”. Bom, que se saiba, “os caminhos mais fáceis e atractivos” são os que levam ao umbigo dos agentes culturais lisboetas, uma constatação do corporativismo da elite que não vale mais do que um vintém. Mas, agora, dizer que a instalação de uma colecção de arte do Estado fora de Lisboa se sustenta numa “visão provinciana” da cultura já expressa com exuberante luminosidade o que pensam e que ideia projectam estes cérebros sobre o país. Para a oligarquia cultural lisboeta, na qual o responsável pelo museu Gulbenkian se inclui, o mundo só existe se rodar em torno da pequena corte do Terreiro do Paço. Ó doutor Nuno Vassallo Silva, haverá algo mais provinciano do que essa mundivisão? (2/10/16)

escrito por aí...

O Governo não está em risco pelos desentendimentos interiores da coligação, nem pela hostilidade da opinião pública, com as sondagens a revelarem uma queda crescente do PSD, está em risco porque existe uma enorme coacção sobre a sua política e um dia a corda quebra.

Uns e outros não olham da mesma maneira para os mesmos lados: o PSD e o CDS são os guardiões da ofensiva fiscal sobre o trabalho, os salários, pensões e reformas e sobre a débil melhoria que uma parte da “classe média” teve em Portugal depois do 25 de Abril, o Governo pretende “reverter” essa situação.

O actual Governo é sustentado pela política no mais nobre sentido da palavra, pela política em democracia, sem se disfarçar de “realidade”, como hoje a ideologia de direita faz. O actual Governo é o único da Europa assente neste tipo de alianças partidárias. Convém lembrar que o que permite a sua existência é a recusa liminar de que o PSD e o CDS governem (que o PS português aceitou e o PSOE espanhol não, com as consequências desastrosas que se conhecem), e esse acto genético é traumático para a direita, que nunca conviverá com ele.

(José Pacheco Pereira, in jornal Público, dia 1 de Outubro de 2016)

vamos à luta...

(in Jornal Público, 1 de Outubro de 2016)

mediascape: o diabo não veio, mas há-de vir

João Miguel Tavares (JMT) na sua crónica deste Sábado escreveu sobre o vaticínio que Passos Coelho em Julho fez sobre a chegada do Diabo para depois das férias. JMT critica essa estratégia adivinhatória pois não só foi mais uma promessa por cumprir, como o adivinhador acabou por fazer figura de parvo. Segundo o autor não adianta a dramatização excessiva do futuro próximo, pois com isso só se está a ajudar o governo de António Costa.
O que é curioso nesta ilustre opinião é que se considera que o Diabo não chegou agora, mas há-de chegar e, pelos vistos, a sua aparição está já programada para 2017, ou seja, critica-se o anúncio prévio do tempo de Belzebu, mas o que ele próprio faz logo a seguir é precisamente o mesmo, ao dizer que o cheiro a enxofre sente-se no ar.
Os cavaleiros do apocalipse não se cansam, não desistem, não aceitam, não compreendem. Mais do mesmo.