26 novembro 2015

mediascape: ódio racista e xenofóbico


Com grande destaque no twitter, encontrei hoje esta imagem da capa do jornal Correio da Manhã (CM). Tal como alguns, muitos, já a adjectivaram, trata-se de um jornal que pratica um jornalismo de merda. Tenho, aliás, dúvidas que se possa chamar àquilo jornalismo, ou mesmo jornal. Mas enfim. Convém referir que nunca fui leitor desse tablóide, nunca o comprei e, tenho a certeza, jamais o comprarei ou lerei.
Mas esta chamada da primeira página é insultuosa para qualquer cidadão. Não bastava a ironia, fizeram questão de afirmar o seu ódio pelas minorias e pelas pessoas com alguma deficiência. Com certeza, para esses pseudo-jornalistas, um cego, um surdo, um mudo, um deficiente motor, ou com qualquer outra doença, não são cidadãos plenos, falta-lhes parte dessa cidadania. Assim como também a pertença a um grupo minoritário é impeditiva de exercer ou usufruir da plena cidadania.
Que nojo!

25 novembro 2015

o monstro da matemática e seus explicadeiros

A propósito das dificuldades que a minha filha apresenta a matemática, dei comigo a questionar os meus botões cerebrais: porque é que há tantos alunos do ensino básico (2º e 3º ciclo) e do ensino secundário a recorrerem a apoios suplementares à disciplina de Matemática? Esta foi a questão inicial que me levou a uma reflexão e, depois, à procura de respostas. Se partilharmos com alguém esta questão, a resposta mais imediata é que na Matemática precisa-se ter bem consolidadas as bases e se estas falham então nunca mais se consegue acompanhar a construção do edifício. Pois bem, posso até concordar com essa premissa, mas parece-me bastante simplista ou redutora. Face à dimensão do problema, parece-me que existirão outras causas ou razões.
Num primeiro momento, o raciocínio foi o seguinte: Muitos professores de Matemática dão apoio ou explicações a outros alunos fora da sua escola; muitos alunos procuram apoio de outros professores que não os seus na escola; logo, existe um mercado de serviços prestados em rede, ou talvez melhor, uma troca de serviços entre professores... - ora dá cá os teus alunos, toma lá os meus...
Se acreditássemos em teorias da conspiração poderíamos logo denunciar: - pois claro, a classe profissional funciona em lobby e protege-se, estabelecendo um nivelamento por baixo da qualidade do ensino, incentivando assim a existência e manutenção de um mercado paralelo de ensino privado e isento de qualquer controlo.
Outro raciocínio, decorrente em parte desta conspirativa teoria, é que os professores de Matemática têm consciência das dificuldades sentidas e acreditam na perspectiva da falta de fundamentos para a construção do edifício, logo estão a admitir que, para além da aptidão natural dos alunos, eles não ensinam bem e com qualidade. Falta sempre alguma coisa no passado para justificar as presentes dificuldades e a recorrência ao mercado dos explicadeiros.
Procurámos algumas respostas para percebermos este cenário nacional actual e, também, passado.
Jorge Buescu, no seu ensaio "Matemática em Portugal - uma questão de Educação" (27), editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, numa perspectiva diacrónica e histórica, adianta algumas hipóteses:

A debilidade do sistema de ensino é particularmente visível e aguda na disciplina de Matemática. Um aluno não pode ter uma preparação universitária excelente em Matemática se não teve uma preparação pré-universitária excelente; e não pode ter uma preparação excelente, no final de cada ciclo de ensino pré-universitário, se no anterior não teve também uma preparação excelente.
Como já se afirmou diversas vezes, o ensino da Matemática é implacavelmente cumulativo e não permite que se saltem degraus. Esta razão, e a universalidade do seu ensino, fazem com que a Matemática possa funcionar como uma espécie de "termómetro de qualidade" de uma escola. (...) Uma escola em que o ensino da Matemática é medíocre não pode ser uma boa escola.
Sendo o nosso ensino das ciências, em particular da Matemática, muito pobre, seria surpreendente que alguma vez tivesse emergido um líder científico ou matemático de nível mundial em Portugal. (...) Não é por acaso que a esmagadora maioria dos matemáticos activos em Portugal trabalham no ensino superior.
(...) No caso específico da Matemática, há outras circunstâncias agravantes. O sistema educativo português parece ter horror à ideia de controlo de qualidade e do reconhecimento da diferença e do mérito. Isto é fatal para a Matemática. A inteligência matemática parece ser bastante democrática, caracterizando-se por uma distribuição razoavelmente uniforme na população. Os factores que depois farão a diferença no seu aproveitamento são, por um lado, a qualidade do sistema de ensino e, por outro, a detecção precoce do talento.

Claro que existirão outras opiniões e outras razões, neste caso parece-me pertinente a tónica na qualidade do ensino, que entre outras consequências, reforça a ideia que os professores dos ensinos pré-universitários carecem de qualidade e exigência. Esta poderá ser a razão seminal de todo o problema e não a imputação exclusiva aos alunos que têm ou não têm aptidão, ou que se esforçam ou não. Quero com isto tudo, terminar afirmando que estou convencido que não é culpa exclusiva dos alunos, por falta de atenção, gosto ou dedicação, mas sim algo mais estrutural e estruturante que tem, provavelmente desde sempre, norteado o ensino da Matemática em Portugal.

enfim...

Nas vésperas da tomada de posse do XXI Governo Constitucional, depois de um período de desnorte do finado Presidente da República, finalmente vai haver novo governo e, espera-se, um governo de esquerda. Não sei se António Costa dará ou não um bom primeiro-ministro, mas as expectativas em relação ao governo no seu conjunto são relativamente elevadas. Espero sinceramente que corra bem e, perspectivando da esquerda, lugar onde me encontro, espero que este governo possa dar respostas rápidas e eficazes aos problemas sociais que por cá existem.
Daquilo que tem sido apresentado pela comunicação social, o elenco ministerial não me merece qualquer comentário, preferindo dar-lhes o benefício da dúvida. De qualquer forma, ao verificar os nomes dos futuros ministros não posso deixar de referir a sensação mais do que evidente de que são muitas as caras do costume socialista. Percebo a necessidade da experiência e capacidade política na escolha de alguns elementos, mas parece-me redutor para o PS recorrer durante tantos anos sempre aos mesmos personagens. Mas vamos lá mostrar que há alternativa, que há outra forma de governar o país. Força.

24 novembro 2015

o estudo de alguns bois

Pois parece-me que ainda vou, um dia destes, dedicar-me ao estudo desse personagem tão carismático da vivência rural tradicional portuguesa. Foi o texto de A. M. Pires Cabral na última revista Granta que me despertou a actual curiosidade e agora encontrei este bonito livro de Bento da Cruz sobre o Boi do Povo em terras do Barroso, na visita ao Porto book stock fair. Vou ler com atenção e mastigar algumas ideias que por aqui trago.

porto book stock fair

Sou um assíduo visitante e um alegre adepto deste tipo de eventos, onde podemos com calma ver, sentir e ler livros. Sempre que tenho conhecimento desses eventos na Invicta ou arredores, lá estou eu à procura de algum livro que me interesse, ou de alguma promoção real, ou ainda de alguma raridade. Acontece que à medida que os eventos anualmente se repetem e à medida que o meu acervo vai crescendo, começa a ser mais difícil encontrar algo para trazer para casa. Na verdade, o meu critério tem vindo a ficar cada vez mais selectivo e, por isso, deixa de haver razão para continuar a frequentar esses certames.
Aconteceu uma vez mais com a recente visita ao pavilhão Rosa Mota, onde decorre até 6 de Dezembro a "Porto book stock fair", onde no meio de milhares de livros não consegui identificar mais do que uma meia-dúzia de livros que me fizeram parar, pegar, consultar índice e verificar preço. Constacto que lá vou apenas pelo prazer dos livros, pelo prazer de estar entre eles e de mexer neles. Acabei por apenas trazer um pequeno livro. Também em relação aos preços, apesar de podermos encontrar muitos livros descontinuados a um, dois e a três euros, a maioria dos livros que ainda estão em circulação no mercado têm descontos simbólicos de um ou dois euros apenas. Por último, uma nota crítica em relação ao nome do evento... não percebo a necessidade da designação em inglês. Qual será o objectivo?!... Prestígio?!... Chegar a públicos estrangeiros?! Não me parece. Quanto a mim desnecessário.

18 novembro 2015

or'era amor! *

O Estado Islâmico, auto-proclamado califado, terá por ambição ou objectivo último a reconquista de todos os territórios que um dia, num passado bastante longínquo foi terra de Alá. Actualmente está confinado a parte do Iraque e parte da Síria e, ou muito me engano, jamais crescerão para além das fronteiras desses países, quando muito, das fronteiras de um ou outro estado vizinho. Não deixa de ser impressionante olhar para estes mapas e imaginar a loucura que seria um grupo de fanáticos e assassinos alcançarem tal dimensão no mundo. Esta gente não tem sequer a noção da realidade actual. Em pleno século XXI, estes assassinos vivem ainda na baixa idade média (e estou a ser simpático). Espero que muito em breve a existência desta minoria muçulmana seja apenas uma página triste e lamentável na história da humanidade.

* A escolha deste título, implica algum prazer sádico por saber que jamais estes mapas serão uma realidade. E por isso mesmo utilizei esta expressão como título, pois representa uma interjeição que na minha aldeia é apenas utilizada quando alguém considera que algo não é possível ou algo que não se vai realizar.


a quem interessar...


terroristas e refugiados

No rescaldo do atentado de Paris e agora que a poeira assentou e muitos dos pormenores do massacre se começam a conhecer, podemos constatar como não há qualquer relação entre estes terroristas islâmicos e a vaga de refugiados que chegam diariamente à Europa provenientes da Síria. Nenhum dos terroristas implicados neste atentado é Sírio. Convém esclarecer, afirmando e reafirmando, esse facto, pois vários responsáveis europeus e vários órgãos de comunicação social logo se apressaram a estabelecer uma relação directa entre os dois acontecimentos, parecendo mais que estavam à procura de um pretexto para tomarem as medidas que sempre quiseram tomar, mas por pudor ou vergonha, foram protelando no tempo. Será uma vergonha civilizacional para a Europa, por reacção abandonar ou maltratar todos esses homens e mulheres que fogem da guerra, fogem do terrorismo nas suas casas.

fast and junk food


Não sendo um adepto fervoroso ou sequer assíduo da comida rápida ou da comida lixo, é ainda com relativa admiração que observo, e verifico pelos consumos, o fascínio que as gerações mais novas nutrem pelas diferentes e variadas ofertas desses cardápios. Qual será a substância secreta e, com certeza, proibida, cancerígena, ou pelo menos maléfica para a saúde, que arrebata o palato dessa enorme massa anónima que dá pelo nome de juventude?! Apesar de banal, simplificadora de processos e libertadora de trabalhos domésticos, é estranha e, para muitos, jamais se entranhará. Sem fundamentalismos, aceitando-a como mais uma opção dietética à qual, com parcimónia, poderemos recorrer, continuo a dar preferência a uma alimentação mais demorada e, mesmo quando penso em simplificar e acelerar processos, o que me ocorre é sempre algo como uma sande de panado, uns ovos estrelados, cozidos ou mexidos, omeletes, atum enlatado, sandes mistas e afins. Sempre bom e fácil. Digo eu.

14 novembro 2015

a nossa civilização

(bansky)

Uma vez mais, e mais uma vez em Paris. Quantas mais vezes serão precisas, quantas mais mortes inocentes serão precisas para a nossa civilização dar uma resposta séria e definitiva?! Tanta ciência, tanta nova tecnologia, tanto desenvolvimento e não se consegue erradicar deste mundo um grupo de fundamentalistas e radicais cujos referenciais são mitos e hipotéticos factos históricos com milhares de anos. Sentem-se pertencentes a uma civilização que já não pode existir na actualidade e querem-na impôr ao resto do mundo. Nem todo o relativismo cultural do mundo pode compreender estes actos de pura barbárie. Sabemos que se tivessem possibilidade, não hesitariam em nos matar a todos.
Sou um pacifista, nunca apoiei nenhuma guerra ou ofensiva contra minorias étnicas ou culturais, mas neste caso sou apologista de uma resposta drástica e sem qualquer contemplação. Destruir, matar e erradicar qualquer resquício dessa gente será o mínimo a fazer.
Outro problema é a questão social em França e mesmo em toda a Europa. Não podemos, nem devemos, num momento de dor e de consternação, confundir tudo. Julgo que não será por acaso, nem por questões de segurança, que a escolha destes terroristas é a França e, principalmente, Paris. Não podemos esquecer que a França será o país europeu com maior percentagem de cidadãos muçulmanos, emigrados e seus descendentes que permanecem agregados em comunidades religiosas fechadas e secretas, onde o fundamentalismo será facilmente disseminado. É essa realidade e, de certa forma, liberdade que dificulta o trabalho dos sistemas de informação e segurança nacionais. Por outro lado, a livre circulação de pessoas pelo espaço Schengen não só facilita a circulação desta gente, dificultando a sua localização e referenciação, como permite a criação de outras células terroristas noutras cidades europeias, tornando impossível termos sequer a ideia do seu número.
Nada contra o Islão, tudo contra o fundamentalismo religioso, seja ele associado a Alá, ou a Jeová ou a Deus. Nenhum problema de consciência nos deverá impedir de proteger a nossa civilização, o nosso modo de vida e a liberdade individual e colectiva que nos caracterizam e que a eles tanto custa a compreender e aceitar. Quero continuar a poder dizer bem alto: Liberdade, igualdade e fraternidade.

13 novembro 2015

a quem interessar...

12 novembro 2015

analogia

Se a nossa mulher, por exemplo, nos põe constantemente demasiado açúcar no chã, não é porque tenha demasiado açúcar guardado na despensa; é porque não foi educada no melhor modo de lidar com a doçura. Da mesma forma, o problema de saber como viver uma vida boa nunca pode ser solucionado por recurso ao intelecto.
William Boyd, 2015:105 - in Granta nº 6

mediascape: santa ignorância


Esta foi a imagem (cartaz) que os putos do PSD resolveram colocar no facebook para tentar ilustrar o assalto ao poder dos partidos da esquerda portuguesa. Do lado direito da imagem e por trás de Jerónimo de Sousa colocaram uma das mais icónicas fotografias da 2ª guerra mundial e, mesmo do século XX, o hastear da bandeira da URSS na tomada de Berlim nazista. Para além da infeliz criatividade e da inocente comparação da PaF com o regime nazi, a iniciativa demonstra a imensa ignorância desses meninos e meninas. Procurei, mas não encontrei explicações por parte da direcção desses betos. Devem estar espantados assombrados com a importância histórica da fotografia. Devem tê-la escolhido por ser bonita e radical. Não sei, mas foi por aqui que andaram alguns dos ilustres senhores e senhoras que nos têm governado. Essas escolas do empreendedorismo nos gabinetes ministeriais e afins que são as jotas, deram e dão resultados destes. Só de pensar que serão estes os homens e mulheres que amanhã poderão conduzir os destinos do país, fico amargurado.

11 novembro 2015

o dia depois, a rua (4)

Outra constatação destes últimos dias é o interesse, a participação, eu diria melhor, a implicação de muita e muita gente neste processo. Não haverá português, exagerando um pouco, mesmo entre aqueles que são abstencionistas e indiferentes crónicos, que não se pronuncie, que não tenha opinião sobre o que está a acontecer no país. Para percebermos tal, basta sair e andar na rua ou frequentar lugares públicos.
Como a espuma dos dias de agora contrasta com a normal, histórica e crescente descrença e indiferença dos portugueses pela coisa da res publica dos últimos anos e até décadas! Seja para concordar, discordar ou vice-versa, com razão ou sem ela, com elegância ou trauliteiramente, a verdade é que a política retornou ao centro da nossa urbanidade e isso é positivo, muito positivo. Quem sabe, poderá até contribuir para a diminuição das abstenções em futuras eleições. Penso eu de que...

o dia depois, a tormenta (3)

A consciência da realidade que experimentamos por estes dias, leva-nos obrigatoriamente à reflexão sobre os dias que aí virão, sobre as enormes dificuldades que se adivinham no horizonte. Essa tormenta não é exclusiva a Portugal. Se olharmos à nossa volta, muito facilmente perceberemos como a Europa está à deriva, sem líderes capazes e competentes, sem políticas e, acima de tudo, repleta de elos fracos que, nas suas mais variadas manifestações, se predispõem a destruir, ou pelo menos questionar o edifício europeu. Entre outras, verificamos:
- Reservas sérias e programáticas britânicas quanto à manutenção na UE;
- Reforço da direita e extrema-direita em vários estados, incluindo vários governos e manifestando posições anti-europeias;
- Crise dos refugiados que, per si, já é potencialmente uma tragédia para a Europa, e que despelou sentimentos, manifestações e reacções por parte de alguns países, que julgávamos não serem possíveis numa espaço partilhado, sem fronteiras e de livre circulação;
- A construção de muros, barreiras, arames farpados, campos de refugiados, ou seja, ambientes pouco habituais na contemporaneidade europeia;
- Movimentos independentistas, como aqui ao lado em Espanha, onde a situação se extremou e poderá ser o precedente para outras experiências regionais;
- Fragilidades económicas de vários estados, que levaram à subtracção das capacidades democráticas um pouco por toda a Europa;
- Uma estrutura central Europeia enredada pela burocracia e seus burocratas, dominada pela tecnocracia e seus tecnocratas, que afastaram dos centros de decisão os cidadãos e substituíram a supremacia democrática - o perfil fundador da Europa, por um directório anti-democrático, chantagista e opressor, a quem todos devem obediência.
Perante estes factos ou realidades, a tormenta que se adivinha até poderá ser bem frutuosa. Claro que haverá riscos e alguns dos seus pressupostos são ainda desconhecidos. Aquilo que aconteceu na Grécia foi o primeiro sinal dessa mudança, agora em Portugal e daqui a dias será em Espanha. A ver vamos. Estou expectante perante a possibilidade de descontruirmos este edifício caduco e sem futuro. Penso eu de que...

o dia depois, a esperança (2)

Eu hoje acordei num país novo, num país diferente!
Não, não estou a delirar, nem estou em negação, nem estou a prognosticar. É verdade, pela simples razão de saber que Passos Coelho e o seu governo PaF foram demitidos pela democracia, na sua sagrada casa e não legislarão mais, sinto-me um rapaz novo, optimista e esperançoso. E tenho os dois pés bem pousados no chão, estou bem consciente das dificuldades destes novos dias e seus desafios. Mas não importa. A possibilidade de saber que, agora sim, pode ser diferente, liberta-me de todas as frustrações e derrotas que trazia comigo destes últimos anos. Não conheço os dias de amanhã, mas tenho esperança. Tenho esperança pela justiça, pela educação, pela saúde e pela qualidade de vida que é devida a todos. Esperança que homens e mulheres tomem decisões não a pensar em mercados, em credores ou em números, mas a pensar em pessoas reais e seus problemas.
Recolocar os cidadãos, os homens e as mulheres, no centro da estrutura a que chamamos país, estado ou nação; recolocar os cidadãos, os novos e os velhos, no centro das preocupações e decisões programáticas e políticas; recolocar os cidadãos, os activos e os passivos, no centro das opções possíveis, transformando as demais em não-opções. O Homem no lugar do dinheiro, o cidadão no lugar do burocrata, o político no lugar do economista, o humanista no lugar do financeiro. E assim teremos um país diferente. Assim a esperança permanecerá. Penso eu de que...

o dia depois, o odioso (1)

Bastou o amanhecer do dia seguinte à queda do governo PaF para se perceber como a sociedade portuguesa vive tempos conturbados. Muitos analistas políticos e opinadores de ocasião televisiva têm vindo a alertar para as fracturas, as crispações e as divisões sociais que a conjuntura política tem proporcionado. O resultado das últimas legislativas foi a consequência lógica, ou o epílogo desse ressentimento social. Esperariam os partidos da direita e os seus representantes que não houvesse alterações concretas e estruturais depois da governação autista, sobranceira, arrogante e discriminatória que exerceram durante os últimos quatro anos?! A queda desse governo era inevitável face, não à crispação, mas ao puro ódio social que se sente nas ruas. Não haja dúvidas que o ódio é o sentimento mais recorrente por estes dias e a fractura política verificada, apesar de eu não ter a certeza que corresponde à fractura social, pelo menos permitiu-nos perceber, definitivamente, a posição exacta de quase todos os partidos políticos com representação parlamentar. Digo quase todos porque há uma excepção que é o PS, pois dada a sua natural centralidade (aquilo a que alguns chamam "charneira"), terá sempre e a cada momento a possibilidade de poder escolher de que lado da fractura pretende ficar. Seria hipócrita se não reconhecesse que prefiro o PS do lado esquerdo dessa fractura, tal como aparentemente está hoje, mas sei que muito rápida e facilmente poderá trocar e empurrar a cisão política para o seu lado esquerdo e posicionar-se na outra margem. Claro que tudo isto implica que também seja o PS a carregar, a cada momento e situação, o odioso político e, acima de tudo, social, o que em última instância poderá provocar sérias e irreversíveis cisões dentro do PS, o que, a acontecer, não seria assim tão negativo até para o próprio partido. Penso eu de que...

04 novembro 2015

significações e seus étimos locais

Na última Granta portuguesa (nº 6), dedicada à Noite, encontrei logo no primeiro texto, de autoria de A. M. Pires Cabral, uma reminiscência de tempos antigos e dos quais a minha memória consegue alcançar. Escreve ele:

Na incomparável e cheia de propriedade linguagem da minha terra, chama-se a uma tal mulher - porque esse é um ofício exclusivamente feminino - uma chegadeira. Pode parecer que o termo "chegadeira" traz consigo uma certa carga humorística ou punitiva (ridendo...), mas não estou certo de que assim seja. Ele é usado com total naturalidade. Vem de "chegar", que, entre outros significados que o verbo partilha com o Português normal, significa também, inocentemente, "levar a fêmea (geralmente falando da vaca) à cobrição". "É preciso chegar a vaca ao touro", diz-se com toda a candura deste mundo quando a vaca dá sinais de querer. No mundo rural, onde os humanos e os irracionais compartilham a condição animal em toda a sua extensão, tanto se chega uma vaca ao touro como uma rapariga ao seu pretendente. Tudo é chegar.

Pois eu também me lembro bem de levar as vacas ao boi, sempre que davam sinais de estarem com o cio. Não se utilizava era o termo "chegadeira", mas sim uma designação - "andar à cria", para significar o momento ideal para a cobrição. Esse momento era manifestado e perceptível pela vontade das fêmeas que, quando em manada, saltavam para cima de outras fêmeas, simulando o acto de cobrição - isto porque normalmente as manadas eram apenas constituídas por fêmeas. Em toda a aldeia existiam apenas dois ou três bois cobridores. Respeitáveis exemplares da raça mirandesa que se passeavam sobranceiros pelas ruas e canelhas da aldeia e cujos proprietários, conscientes do seu valor seminal, lhes davam bom trato e os libertavam do trabalho pesado da faina agrícola. Tendo em conta a quantidade de vacas, o sémen destes garanhões era extremamente cobiçado e havia mesmo uma corrida para o agendamento de cobrições. Momentos, com certeza, prazerosos para os animais, mas de vital importância para o equilíbrio e estabilidade das famílias.
Nesse tempo, que eu próprio experimentei e testemunhei, este vocabulário e suas significações eram totalmente reconhecidas por todos os indivíduos, que desde a mais tenra idade haviam sido boieiros(as) e haviam participado nesse devir da natureza animal. Actualmente, num tempo em que nem sequer existe gado bovino na aldeia, não só as gerações mais novas nunca experimentaram "levar e guardar a cria", como não reconhecem terminologias e procedimentos. Algo mais se perdeu, neste incessante correr do tempo e também por isso, as palavras de A. M. Pires Cabral se revelaram da maior importância para mim.

voyeurismo


Apercebi-me hoje que está em promoção um filme sobre Cristiano Ronaldo, que estreará no próximo dia 9. Mesmo. Eu não consigo entender a sua existência, ainda por cima no circuito comercial ou mainstream, a não ser como um produto bem embalado de marketing, explorando as lógicas de mitificação, de idolatria e de veneração, destes deuses pós-modernos de consumo imediato. Não percebo como alguém poderá pagar um bilhete para assistir a este filme. Só pode ser voyeurismo.

03 novembro 2015

mediascape: apenas ridículo

Três dias apenas depois de ter tomado posse como ministro da administração interna, Calvão da Silva foi ao Algarve tomar conhecimento in loco da dimensão da catástrofe natural que se abateu sobre a região. Quando interpelado pelos jornalistas disse, entre outras coisas:
- "Por isso fiz questão de começar esta visita pelos cumprimentos de condolências à família enlutada. Era um homem que já tinha vindo do estrangeiro, tinha 80 anos, fica a sua mulher Fátima. Ele, que era um homem de apelido Viana, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar adequado."
- "A fúria da natureza não foi nossa amiga. Deus nem sempre é amigo, também acha que de vez em quando nos dá uns períodos de provação."
- "Em Albufeira, a força da natureza na fúria demoníaca, embora os ingleses digam que é um ato de Deus, um 'atc of God', nós temos que traduzir de outra maneira."
Que conversa é esta? Onde foi Passos Coelho desencantar esta figura? Um ministro da república não pode falar assim. Muito se poderia dizer acerca desta beatice, completamente deprimente e vergonhosa, mas visto e ouvido, vou dizer que é apenas ridículo. Este senhor já foi ministro o tempo suficiente. Ainda bem que, em breve, se vai embora e regressar para as calendas do tempo, de onde nunca deveria ter saído.