30 setembro 2015

instante urbano xxxiii

Ao ser atendido num balcão das finanças por uma funcionária que já mais vezes me atendeu, fui surpreendido com um comentário seu relativo a uma contribuinte que esperava a sua vez para ser atendida, do outro lado do balcão. O nosso diálogo foi, mais coisa, menos coisa, nestes termos:

ELA: - Aquela senhora que está ali é muito interessante. Não acha?
EU: - Diga?!...
ELA: - Aquela senhora tem um ar muito interessante. Não concorda?
Tentando localizar essa mulher, inclino-me para a frente...
ELA: - Não dê tanto nas vistas. Olhe com mais discrição... não sabe como se faz?
Retraio-me e fico quieto...
EU: - Refere-se à senhora loira?
ELA: - Sim. Tem um ar muito fresco. Desculpe estar com esta conversa, mas caramba, temos olhos e eu até tenho quatro (óculos), portanto, só posso ver... não é?!
EU: - Pois...
ELA: - Eu já a conheço daqui. Ela costuma vir cá muitas vezes. Não sei como se chama, nem para quem trabalha... Depois até vou perguntar às minhas colegas que a atendem sempre naquele balcão...
EU: - De facto, eu acho que também já a encontrei cá mais vezes... talvez seja contabilista.
ELA: - Não. Nem tanto. Não tem ar disso. Deve vir representar empresas, talvez das caves do Vinho do Porto.
EU: - Pois, se calhar...
ELA: - Não sei. Aquele ar fresco. Diferente. Ar de sueca...

Entretanto, mudámos de assunto e ela passou a esclarecer-me sobre aquilo que eu lá tinha ido fazer.

29 setembro 2015

Onésimo, despenteador de pensamentos


Tal como sempre, ou como quase sempre, para não exagerar, Onésimo Teotónio Almeida publica um brilhante, inteligente e bem disposto livro. Ao passear-me pelas avenidas, que é como quem diz corredores da FNAC, a propósito, cada vez mais pequenos e despidos, chamou-me a atenção a bonita capa e, principalmente, o gerúndio no seu título. Depois verificando o autor, peguei nele e folheei-o; achei por bem, sentar-me num recanto para, com mais calma, perceber do que se tratava; li até não ter mais tempo disponível e, assim sendo, só me restou a alternativa de o comprar para poder continuar a leitura. Estou a gostar e dada a inteligência deste despenteador, só posso aconselhar vivamente a sua leitura.

Nota: Este título trouxe-me à memória, o tempo em que havia quem me chamasse "despenteado mental". Nunca cheguei a saber porquê. Desconfio, mas não sei.

esquiço

Perspectivando-a (a Sul) podemos adivinhar a longa extensão de areal deserto que se esconde para lá das dunas e que se estende por toda a costa. Neste pequeno segmento de praia, despida da mobília de Verão e silenciosa do boliço humano, só a espaços, uma ou outra pessoa, um ou outro atleta, surgem no horizonte e rapidamente se aproximam e desaparecem por trás de uma proeminente duna. A maré baixa vai permitindo que alguns pescadores amadores entrem no mar e se arrisquem no labirinto das rochas emersas. A neblina marítima teima em cobrir todo o céu, impedindo o Sol de se manifestar em todo o seu poder neste últimos dias de Setembro. No areal, até há bem pouco tempo a fervilhar de vida, convivem ou descansam bandos de gaivotas.
A sensação ao olhar absorto esta paisagem é de tranquilidade e de abandono, bem preferível à poluição estival, o que me permite animar a alma e os sentidos. À medida que nos afastamos do calor e nos aproximamos do frio e das tempestades, maior é o apelo para aqui vir e ficar.

(tentei fazer um esquiço para aqui colocar, mas, como seria de esperar, não consegui...)

21 setembro 2015

processo eleitoral

Pela primeira vez neste século não estou envolvido no processo eleitoral em curso. Desde 2001 tenho-me envolvido, de diferentes maneiras e intensidades (desempenhos), em cada um dos actos eleitorais. Portanto, é com alguma estranheza e, acima de tudo, tranquilidade que aguardo pelo dia 4 de Outubro. Não tenho qualquer dúvida e sei, com convicção e em consciência, em quem depositarei e confiarei o meu voto e qual o meu desejo para o futuro político do país, mas quanto ao resultado final deste processo, tenho várias e sérias dúvidas e angústias. Não quero, nem posso acreditar que haja a possibilidade da actual coligação no governo sair vencedora, mas também não quero explorar aqui esse cenário. Manifestar a minha certeza quanto ao voto e ao mesmo tempo, indiferença e alheamento em relação aos dias de campanha que teremos até ao dia das eleições. Campanhas com direitos de antena na rádio e nas TVs, acções de rua, contacto com populações, entrevistas, comícios, etc e tal, foi chão que já deu uvas, ou melhor, foi peditório para o qual muito já dei. Não há pachorra.
Estarei a ficar velho?!

acordar a falar de amor

Nunca tive a pretensão de ser escritor. Também não sei se essa condição pode ser uma escolha, se podemos acordar um dia e, só porque sim, sermos escritores. Gosto muito de escrever, mas não me sinto capaz de criar uma narrativa imaginada. Sempre gostei de ambientes experimentados, de personagens reais e de tentar recrear esse mundo um dia experimentado por alguém. Daí a relevância dada ao testemunho, a valorização do relato e a escolha pelas etnografias que continuo a praticar.
Apesar disso, talvez um dia me sinta inspirado e capaz de me aventurar a escrevinhar um conto, construir uma história ou um romance. A ideia até já existe há algum tempo, os personagens já estão nomeados e as suas existências e destinos também. A não ser que, entretanto, surja uma outra ideia e uma outra história, essa ficção terá por título "acordar a falar de amor" e mais não digo.

15 setembro 2015

mero desabafo ou subtil pressão?

"PS: é dessa forma que nego as crenças, e com pouco tempo que tive para ler alguns grupos. Espero que eu consiga fazer essa cadeira, para pegar o meu certificado. Obrigada!!"

(comentário que uma aluna minha escreveu a lápis no fim de um exame...)

13 setembro 2015

música para todos em d'bandada

Ontem, dia 12 de Setembro, um Sábado, foi dia de D'bandada na cidade do Porto. Durante todo o dia espectáculos e música variada e gratuita por todo o centro da cidade. Motivado pela participação do mano mais novo, também eu fui com a família participar nesta festa da música destinada a todos, miúdos e graúdos. Impressionante a quantidade de gente que circulava pelas ruas, praças e jardins da cidade. Imagino alguém que tenha aterrado por estes dias na cidade, sem saber, deve ter ficado abismado com a sua "movida". Gosto destes ambientes de rua, mas quando chega a hora de comer, já não me agrada nada tanta confusão. Prefiro retirar-me para espaços mais tranquilos e com menor freguesia. Assim fiz.
Nestas fotografias, momentos antes da actuação da orquestra de guitarras eléctricas da Casa da Música,  no jardim das Oliveiras (jardim dos Clérigos), sob a orientação de Peixe e na qual o mano Ricardo participou.


11 setembro 2015

ler por ler, não!

Não consigo ler algo que não goste. Esta é uma declaração de feitio. Como algo que posso afirmar sem hesitar, quando de literatura em prosa ou poesia se trata. O mesmo não posso dizer em relação à não-ficção, pois aí já li milhares de páginas onde não encontrei o mínimo prazer. Mas li, estudei e terei aprendido sempre algo.
Quando nos damos ao trabalho de procurar a opinião de terceiros, ditos especialistas em literatura, podemos descobrir diferentes e variadas opiniões acerca de livros e de autores. Acontece, porém, que por vezes essas opiniões coincidem no elogio a determinada obra ou autor e eu, enquanto leitor (leigo), sou sensível a esse encontro de opiniões e vou à descoberta desses novos territórios da ficção. Às vezes sou feliz, outras vezes nem por isso, outras vezes ainda não percebo o encanto ou o deslumbre colectivo ou consensual em torno de um autor ou obra.
Apurria-me o desperdício de tempo e de espaço que a leitura de alguns livros, considerados clássicos, me obrigam. Estou como o outro (Pacheco Pereira) que disse, hiperbolizando, que não valeria a pena perder tempo com leituras novas ou de modas. Temos que nos concentrar no essencial e eu considero que, sendo um leitor de todas as horas e dias, por prazer ou afazer, cheguei a uma idade em que posso e devo ser mais criterioso com as leituras que escolho e me ocuparão as horas da minha vida. E há tanta boa literatura para desfrutar. Venha a mim.

10 setembro 2015

um clássico

Depois de muitos anos esgotado, finalmente foi reeditado este magnífico trabalho de Brian O'Neill. Originalmente publicado, em 1985, pela Dom Quixote, na colecção Portugal de Perto, este foi e é um dos clássicos da Antropologia da segunda metade do século XX em Portugal. Resultado do seu trabalho de campo, entre 1976 e 1978, numa pequena aldeia do concelho de Vinhais e, depois, sua tese de doutoramento em 1982, na London School of Economics, rapidamente foi adoptado pelos programas das licenciaturas de Antropologia em Portugal. Foi para mim também leitura obrigatória e, tendo parte da colecção Portugal de Perto, sempre o quis adquirir. Nunca o consegui encontrar. Foi a compra desta visita à Feira do Livro do Porto. Entretanto, continuarei à procura da primeira edição.

09 setembro 2015

avenida das Tílias

Pelo segundo ano consecutivo a Câmara Municipal organiza a Feira do Livro do Porto e, uma vez mais, nos jardins do Palácio de Cristal. Aproveitei a tarde chuvosa de hoje para me passear pela bonita Avenida das Tílias, por estes dias, murada por milhares de livros. Claro que a cada contacto com os vendedores, percebi o desconforto com a chuva que afasta ou impede os "clientes" de visitar a Feira. Contudo, sempre fui aproveitando para, com calma e sem atropelos, afirmar a minha satisfação por poder usufruir de toda aquela oferta quase em exclusividade. Troquei impressões com livreiros, questionei por edições pretendidas, indaguei por livros difíceis e antigos. Fiquei triste por não poder trazer uma mão cheia dessas raridades, pois o seu preço era proibitivo. Soube-me bem sentar numa esplanada, sentir a chuva miúda a cair e cheirar a humidade da terra. Um café, um livro e um estacionamento estupidamente caro, foi o dinheiro que lá deixei. Vou lá voltar um dia destes.

04 setembro 2015

road to nowhere


Esta fotografia capta um momento, na auto-estrada perto da fronteira austríaca, da marcha dos refugiados sírios em direcção à Áustria, vindos da capital húngara, Budapeste. No mesmo instante lembrei-me da música dos Talking Heads, "Road to Nowhere". A sua letra convida-nos para uma viagem sem destino, para bem longe, para uma cidade mental que cresce dia após dia, onde tudo ficará bem, para o paraíso. Será que a vida deste imensa massa de gente apátrida algum dia ficará bem?
Não resisto a colocar aqui um video recente dessa música.
A fotografia ao alto, retirei-a daqui...

02 setembro 2015

mediascape: horror e ignomínia

Acabei de ver a fotografia de uma criança síria morta numa praia da Turquia, consequência do naufrágio de uma embarcação que tentava chegar à Grécia. Não consegui evitar as lágrimas e é com o rosto humedecido que escrevo estas palavras.
Não posso, não podemos aceitar mais imagens como esta. É de uma violência sem paralelo. Não é uma vítima de guerra ou acidente. É uma mártir da hipocrisia em que vivemos. Ponderei copia-la para aqui, mas não o faço porque não a quero ver mais. Nunca mais. Sei bem que o choque de imagens como esta provocam o horror e promovem os lugares mais comuns, naquilo que são as reacções das lideranças europeias. Mas precisamos de mais, de algo diferente daquilo que tem sido a reacção individual de cada Estado. A atitude das elites europeias traduz-se numa ignomínia que, infelizmente, ficará na história do mundo. Também os EUA responderão por esta tragédia, pois a Primavera Árabe que promoveram no Norte de África, não resultou em democracias, mas sim em Estados falhados e à disposição de todos os fundamentalismos.
Ainda hoje trocava impressões com um Presidente de Junta de Freguesia do concelho de Vinhais, a propósito desta tragédia humanitária que experimentamos na Europa e ele dizia, com propriedade, que todas as freguesias de Vinhais bem podiam acudir a esta gente, recebendo e alojando uma ou duas famílias cada. O concelho está envelhecido, sangra de emigração e o território está completamente desestruturado. Porque não trazer algumas famílias para cá e criar novas dinâmicas sociais e económicas?!... Muito bem pensado. Claro que a situação não se resolveria, mas seria um excelente contributo.
Esta criança bem poderia ter sobrevivido e, depois, ter tido direito a uma vida longa e digna. Não, não teve direito a nada, apenas a uma curta experiência traumática à qual não sobreviveu. E o terror supremo é olhar aquele pequeno corpo morto de 12 anos , que a força maior das correntes marítimas depositaram naquela praia e imaginar um dos meus filhos naquela circunstância. Muito triste.

01 setembro 2015

mês de leitura

Dividido em duas partes, este mês de Agosto foi um excelente tempo de leitura. Ao longo dos últimos meses tinha acumulado algumas leituras para fazer, daquelas não obrigatórias. Assim e aproveitando a primeira quinzena junto ao mar, pude acabar de ler o gigante de James Joyce, "Ulisses" e "A amante holandesa" de José Rentes de Carvalho. Depois, na segunda quinzena, já em Bragança e arredores, desfrutando da tranquilidade da aldeia e da ausência tecnológica, pude continuar as jornadas de leitura: "As velas ardem até ao fim" de Sándor Márai, "Montedor" de José Rentes de Carvalho e "Winston Churchill - biografia" de Sir Matin Gilbert foram as leituras dessas horas. Agora e porque ando às voltas com um projecto sobre mitologias rurais, trago comigo os Contos, as Bicharadas e as Montanhas de Miguel Torga. Rico mês de Agosto.

o génio e o prazer das coisas bonitas...

Há muito conheço David Byrne e o considero uma das mentes mais brilhantes da cena musical mundial. Neste primeiro video, podemos vê-lo em parceria com St. Vincent a reinventar um dos seus clássicos. Como o Youtube é uma magnífica ferramenta, permitiu-me ir à descoberta dessa, até então, desconhecida e nem sempre loira, chamada Annie Erin Clark, cujo nome artístico é St. Vincent. O segundo vídeo é novamente um concerto de ambos com o mesmo naipe de sopros e onde podemos testemunhar o génio de ambos. Gostei de St. Vincent. Vou tentar conhecer mais e melhor.