31 dezembro 2015

último dia

Chegados a mais um final de ano, e já lá vão várias dezenas, é tempo de balanços, reflexões e planeamentos para o novo ano que está prestes a iniciar. Este último dia de um qualquer ano era, provavelmente ainda será, dia de rituais limpezas e abluções, nas quais pessoas, animais e lugares/espaços eram purificados e libertados de todas as energias acumuladas ao longo do velho ano que terminava e se preparavam, renascidos e com novo ânimo, para receber e aceitar tudo o que o novo ano lhes reservava. Isolado nestes últimos dias do ano no silêncio e tranquilidade da aldeia, o tempo passou-se entre leituras e jogos de Play Station. Sem internet e sem informação actual, chegamos ao final deste ano apenas com a agitação das crianças e com as tarefas domésticas obrigatórias. Claro que se pensa no futuro, claro que se reflectiu sobre o passado. O que há-de vir, não sei, não sabemos, mas há-de vir e nós, esperemos, cá estaremos. Tal como os antigos, apesar das novas ritualizações e abluções, estamos preparados para novo ano, com a simples expectativa de manter a alegria de viver. O resto lá virá.

18 dezembro 2015

elixir da juventude

Esta necessidade que a sociedade moderna tem de se manter jovem toda a vida é completamente contra natura. (Alexandre Castro Caldas, in SOL, citado pela Revista LER nº 140)

Aproveitando esta citação retirada da revista LER, roubo o título à letra de Sérgio Godinho para falar da mais que perceptível vontade que a sociedade actual manifesta em permanecer jovem, ou melhor, dos padrões de juventude ou de rejuvenescimento que a sociedade impõe aos indivíduos. Nada contra a juventude ou contra o facto das pessoas gostarem de se sentir jovens, mas não percebo a necessidade de isso acontecer. É-se jovem aos vinte, aos vinte e cinco e até se é jovem aos trinta anos, mas a partir dessa idade, é-se plenamente adulto, o corpo e a mente adequam-se ao natural e inevitável envelhecimento. Claro que se é mais velho aos cinquenta ou sessenta e, por isso, também mais ridículo é quando nessas idades alguém se comporta, se veste ou se manifesta como se nem pêlo na benta tivesse. Não adianta lutar contra o passar do tempo, contra o envelhecimento. Ele acontece quer gostemos ou quer não gostemos. Não existem elixires para uma eterna juventude. Tudo aquilo que nos é vendido e imposto pelo marketing e publicidade não é mais do que enganador cosmético para adiar o inadiável. A nossa vergonha não são os cabelos brancos que se impõem, as rugas que vão cavando o rosto e arredores, ou as carnes que cedem à magnética força da gravidade, mas sim a negação desse testemunho do tempo que passa e as práticas milionárias, invasivas, agressivas e muitas vezes contra-producentes, para mascarar o que a natureza impôs.
A teoria moderna, reflexo do capitalismo vigente nas últimas décadas, de que os indivíduos devem-se socorrer de todos instrumentos disponibilizados, pela ciência e pela tecnologia, para se sentirem bem consigo mesmos, não é mais do que um discurso muito eficaz para o condicionamento psicológico e que desculpabiliza e naturaliza os consumos, os investimentos em terapias e tratamentos. Vejam como se transformaram em ordinárias e usuais as intervenções cirúrgicas cuja única motivação é a aparência!: Aumentar, subir, alinhar os seios, modelar pernas e nádegas, corrigir e endireitar narizes, lábios e bochechas, etc., etc.. Recauchutamentos com os quais passamos a viver alegre e pacificamente.
Eu gostei muito de ser jovem e trago comigo recordações magníficas desse tempo, mas acabou. Felizmente pude e posso experimentar outras idades que trazem experiências outras, trazem gostos, prazeres e belezas diversificadas. Quando muito poderei sentir alguma nostalgia por pessoas, lugares e momentos que vivi e conheci. O resto é tempo. E como gosto de o sentir passar, às vezes veloz demais, é certo, mas sempre tentando aproveitar cada pedacinho seu.

17 dezembro 2015

baú da memória XI

Foi no longínquo ano de 1991 que este momento aconteceu. Em final de primeiro período, o nosso grupo resolveu (digo resolveu, porque já não me lembro de quem foi a ideia, nem porque houve esta iniciativa) organizar um sarau cultural, ao qual deu o nome de ERECTOMANIAS - acrónimo de espectacular reportório encenado com todos os malucos. Aintão ninguém ia acreditar sebisse*.
A recordação dessa manhã de 17 de Dezembro de 1991 é muito boa e aquilo que se fez nesse último dia de aulas, trouxe-nos relativa fama e prestígio na comunidade escolar, assim como a reprovação no ano lectivo para alguns de nós.
Do programa vastíssimo e de enorme qualidade, praticamente todo improvisado, houve momentos muito bons e que jamais esquecerei. Um deles foi o Natal do Joãozinho, aproveitando o facto de termos efectivamente um Joãozinho no grupo, dedicamos-lhe este momento.
Ficam três registos desse espectáculo, que implicou toda a turma e mais alguns amigos e amigas que connosco estavam regularmente.


(alinhamento do espectáculo in Xavier, Jaime e Vale, Luís (1995), Conferências da Varanda, Vila Nova de Gaia, edição dos autores)


(letra da música Natal do Joãozinho, com a data e nome dos intervenientes, acervo Luís Vale)


(fotografia do ensaio final dessa performance. Em primeiro plano, Joãozinho, em segundo plano e da esquerda para a direita, Daniel, João Paulo, Jaime, Zé e Luís)



* In Xavier, Jaime e Vale, Luís (1995), Conferências da Varanda, Vila Nova de Gaia, edição dos autores.

16 dezembro 2015

LER 140 para o Inverno


Já cá está. Vamos LER.

ao espelho

Dia 15 de Dezembro foi dia dedicado a acompanhar Marisa Matias, candidata à presidência da República, pelos distritos de Bragança e Vila Real. De manhã visitamos o IPB - Instituto Politécnico de Bragança, onde fomos recebidos pelo seu presidente e todo o corpo directivo. De tarde, visitámos a UTAD em Vila Real, onde fomos recebidos e guiados pelas instalações pelo seu Vice-Reitor e fez-se uma sessão com os alunos da instituição. À noite, jantar-comício também em Vila Real.



Os momentos aqui registados, dizem respeito à recepção no IPB e ao jantar-comício em Vila Rela. Fotografias de Paulete Matos, retiradas do EsquerdaNet.

13 dezembro 2015

adiar sine die, mas até quando?

"Sempre que Marine Le Pen obtém uma vitória suscita uma torrente de exorcismos verbais com ressonâncias antifascistas. É um logro."

A citação é de Jorge Almeida Fernandes que hoje no jornal Público, ainda sem saber os resultados desta segunda volta das eleições regionais em França, faz uma análise sobre a estratégia de Marine Le Pen e as razões que a possibilitaram. Pois bem, à hora que escrevo, já se conhecem algumas estimativas e projecções que afinal a Frente Nacional (FN) não conseguiu ganhar em nenhuma das regiões em que tinha vencido na primeira volta. Dizem-nos os comentadores que esta clara derrota se deveu a dois principais factores: A descida acentuada da abstenção e a desistência dos socialistas a favor dos republicanos de Nicolas Sarkosy nas três regiões em que a FN estava na eminência de vencer.
Independentemente dos resultados desta eleição, há um facto incontornável. A FN não representa, hoje, apenas o protesto, o marginal e o desviante. É uma realidade social e política em França e só com uma forte e larga participação democrática poderá, em cada momento, ser derrotada. Numa sociedade cultural, económica e religiosamente estratificada, como não há outra na nossa Europa, as mensagens populistas, proteccionistas e radicais da FN encontram chão muito fértil. Não adiantará muito continuar a agitar-lhes as parangonas da xenofobia, do anti-semitismo e do fascismo-nazismo, pois inteligentes como também são, adequaram convenientemente o seu programa, o seu ideário e os seus discursos às realidades sociais perceptíveis e experimentadas em França.
Fico satisfeito com este resultado, mas não tranquilo, pois sei que este é só mais um momento adiado sine die e que num futuro próximo, poderemos encontrar a FN no poder. Então aí, não sei, será tudo muito diferente e outro(a) galo(a) cantará.

mediascape: terrível emergência

Um dos momentos da semana que agora acaba, do mês que acaba o ano, do ano que medeia uma década e da década que inaugura a urgência dos cuidados a ter com esta nossa casa, foi ontem, dia 12, vivido em França com o acordo, finalmente, alcançado na Cimeira do Clima. Foram vários dias de reuniões políticas, técnicas e jurídicas para se conseguir que todos os países participantes assinassem a declaração final.
Fui acompanhando os trabalhos, na medida em que os media e a internet me transmitiam informações. Dou como certo a boa vontade e o esforço de todos os participantes, mas também sei que nas mesas das conversações estavam presentes muitos interesses privados, muitas corporações e muitos grupos de pressão, o que ainda reforça mais o feito alcançado. Contudo, convém dizer que ainda nada está conseguido. Este acordo é um manifesto de boas intenções que remetem para um futuro relativamente próximo ou distante a resolução efectiva dos graves problemas climáticos que agora experimentamos.
Ainda assim, importa enfatizar o feito de Paris. São momentos como este que nos permitem imaginar um futuro possível para as novas gerações.
Foi com esta imagem do twitter e publicada por alguém que estava na sala de imprensa do evento em Paris, que eu tomei conhecimento do acordo. Não dei pulos, nem berrei, mas devia, devíamos todos. Fiquei entusiasmado e emocionado por ver a espontaneidade e alegria destas pessoas. Que bom.

inquietação vs ignorância

Nem de propósito!
Acabei de encontrar no twitter esta fotografia tirada hoje no estádio do Sporting. O comentário à fotografia apenas reforçava a sua mensagem, a importância da vitória conseguida e o facto de permanecerem como líderes no campeonato nacional. Para mim, no entanto, serve-me para ilustrar algo que me tem atormentado a tiróide nos últimos tempos...
Falo da utilização indiscriminada, verbal e escrita, da palavra "muita", enquanto quantificativo ou mesmo qualificativo. Em todo o lado, rádio, televisão, jornais, internet, nas ruas e afins, ouvimos expressões como:
Jogou muita bem!,A gaja é muita boa!,O comentador é muita bom!, Continuamos muita fortes!, etc. etc.
Confesso que me confunde. Eu considero errada a conjugação do feminino de muito nestas frases e outras que tais. Penso até que se tratou, inicialmente, de um regionalismo, um tique do calão sulista e que, entretanto, foi-se alastrando pelo país. Custa-me ouvir jornalistas, políticos, animadores de rádio e tv, a falar assim. Já indaguei, já questionei pessoas entendidas e todas elas me confirmam a minha suspeita. Está errada essa utilização. Instituiu-se verbalmente e foi ganhando espaço no léxico popular e corrente.
Muito bem. Espero que não seja mais do que uma moda, tal como tantas outras que têm aparecido ( estou a lembrar-me de uma recente, que andava, e ainda anda, na boca de muitos portugueses - ...então é assim...), e que em breve, naturalmente, caia em desuso. 
Já há algum tempo eu queria esclarecer esta dúvida que me inquietava, pois receava ser mais uma manifestação da minha farta ignorância.


efeitos da socialização

Conversa com o meu filho, depois deste andar de bicicleta...
- Então, já te cansaste?
- Não, mas aleijei-me...
- Caíste?
- Não, mandei um tralho!

11 dezembro 2015

prenúncios

Se estivéssemos noutro qualquer país, ou a falar de uma qualquer outra realidade, tenderia a dizer que não acreditava nos resultados destas sondagens, mas como estamos em Portugal e a experiência recente nos diz que as empresas especializadas neste tipo de estudo, normalmente, acertam ou andam muito perto da verdade, eu diria que é com enorme tristeza que constato a vitória inequívoca de Marcelo Rebelo de Sousa, logo na primeira volta das eleições presidenciais, que se realizará no próximo dia 24 de Janeiro.
Como podem verificar nesta sondagem publicada pelo DN, Marcelo Rebelo de Sousa atinge um score de 62% e derrota todas as oposições. Claro que ainda falta algum tempo e estes números sofrerão algumas alterações, mas não deixa de ser impressionante tamanha votação. Está pré-anunciado o vencedor...
Lamento não haver espaço para uma segunda volta, onde, julgo, poderia haver um equilíbrio maior entre essas duas candidaturas finalistas. Assim, só me resta desejar que a abstenção seja pequena e que todos os eleitores apoiantes dos restantes candidatos vão votar.

downtown

Gosto particularmente de caminhar pelas ruas da cidade nos dias frios. Nesta manhã fresca e solarenga de Dezembro, vim até à baixa do Porto e passeei-me pelas suas ruas principais. Sendo um dia de semana, a agitação quotidiana predomina, mas percebe-se no ar e no rosto das pessoas que passam um stress suplementar de vésperas de Natal. Vir até à baixa da cidade nestes dias é estar disponível para essa agitação, é estar disponível para a confusão do trânsito e para a dificuldade do estacionamento. Desagrada-me o abandono de alguns edifícios, o comércio com as portas fechadas ou falido e os pobres que, a cada esquina, irregelados, pedem esmola; agrada-me a sensação reconfortante de entrar num café e perceber a diferença térmica entre o desconforto exterior e o conforto interior; agrada-me cruzar-me com as pessoas na rua e perceber, nos seus modos, nas suas roupas e nos seus trejeitos, o frio que lhes atravessa o corpo e a alma. Gosto de aqui vir, gosto de aqui estar.

Nota: Ao meu lado, numa mesa contígua, igualmente abrigadas do frio da rua, quatro jovens raparigas passam o seu tempo jogando àquele jogo, cujo nome desconheço, mas que se joga, dizendo ou escrevendo nomes de países, cidades, animais, cores, etc., consoante uma letra do abecedário.

10 dezembro 2015

machina horribilis

Começo pelo manifesto do meu total apoio e concordância com uma tributação justa e equitativa, abrangente e eficaz por parte do Estado. Defendo que todos devem contribuir e o combate fiscal deve ser intransigente e implacável para com os faltosos e para com os criminosos.
Aquilo que se passa com o actual sistema de tributação de IRS é incompreensível e, mais do que isso, impossível. A ferramenta E-Factura é algo inenarrável. Acho muito bem que a máquina fiscal seja eficiente e solicite aos contribuintes todas as informações possíveis, mas transformar cada cidadão contribuinte num especialista em fiscalidade e num eficiente contabilista não só é difícil, como é estúpido. Não haja dúvida que este novo sistema, que era suposto simplificar processos e desafogar o aparelho fiscal, só vem, pelo contrário, afogar ainda mais os serviços, como complicar muito a vida das pessoas. Para trabalhar com o E-Factura é preciso, no mínimo, ser um entendido em contabilidade, ou então, fazer uma especialização, pois a quantidade de informação, de facturas, de NIF's e de outros dados a trabalhar é enorme para um comum mortal: registar facturas, ter que saber taxas de iva, enquadrar actividades e números de facturas desencontrados, etc.
O objectivo último será, por um lado, por os cidadãos ao serviço do Estado e, assim, ir-se demitindo das suas obrigações e, ao mesmo tempo, aliviar os seus recursos humanos; por outro lado, por incompetência ou ignorância, será enorme a perda e desencontro de informação, logo, serão milhares de euros que o Estado não devolverá em reembolsos de IRS. Assim não.

05 dezembro 2015

fios, fios, fios...


Aproveitando esta bonito cartoon, roubado do blogue Entre as Brumas da Memória, e não sendo eu pertencente a esta nova geração wifi, mas antes à geração amarrada por inúmeros cordões umbilicais, declaro a enorme alegria que é para mim poder viver neste tempo em que os fios tendem a desaparecer. Sem querer exagerar, as redes wifi foram a maior e melhor invenção para sistemas nervosos como o meu. Irrita-me profundamente, ao ponto de perder o norte e o calote, lidar com fios. Tudo tem, ou tinha, fios e ainda por cima, exercem uns sobre os outros um forte poder magnético que os leva a baralharem-se ou emaranharem-se. Terrível.
A minha paranóia com os fios faz-me sempre recordar uma música de David Byrne - Girls on my mind, cuja letra diz:
People say that I am crazy / People say that I am strange / But I don't care about what people say / They can't see inside my brain.
E cantarolar... I've got girls, girls, girls, girls, girls, girls in my mind. - substituindo girls por wires (fios).
Enfim, cada macaco no seu galho, mas a música até é fixe...

de lugar a não-lugar

Visitei pela primeira vez o novo espaço da livraria Almedina no Arrábida Shopping e fiquei triste, porque não só perdi um lugar onde gostava de ir e estar, como se perdeu mais uma livraria, para dar lugar a um espaço aberto, descaracterizado, anódino, forrado de prateleiras, sem recantos e sem cafetaria, onde por acaso o que se vende são livros. Detesto estes espaços, pois não são convidativos para a estadia, dão-nos a sensação que estamos sempre a estorvar, não permitem experimentar os livros e são de consumo imediato, ou seja, entrar, comprar e sair, lembrando as zonas comerciais dos aeroportos. Também, não sendo o mais importante, não haver um espaço como uma cafetaria, onde demoradamente podemos conhecer, ler e reler, apreciar e até trabalhar, é um atributo que continua a atrair-me. Lamento que a lei do mercado force o desaparecimento destes lugares e que a lógica actual seja a sua descaracterização e conversão em não-lugares.

03 dezembro 2015

tempo, o imperturbável e cruel elemento da nossa vida

Eles são dias de nomeada, de alguma forma especiais nas nossas vidas. Momentos apropriados para mentes inquietas meditarem, reflectirem e sofrerem com o peso do tempo que lhes transforma o corpo e a mente. Sem esquizofrenias (julgo eu) , os dias de aniversários, fazem-me reviver todos os anos que já conto, todos os momentos que já acumulei na memória e que terão sido turned points na minha vida, numa espécie de nostalgia pelo tempo já experimentado. Vida que se prolonga já na vida de novos seres, com o seu crescimento, com a construção das suas personalidades e com as suas emancipações. O que me espera o futuro? Que futuro? Esse tempo misterioso e que chega a cada momento, sem contemplações ou hesitações. O que me resta desse tempo é, enfim, a questão que me vai acompanhando no tempo.

26 novembro 2015

mediascape: ódio racista e xenofóbico


Com grande destaque no twitter, encontrei hoje esta imagem da capa do jornal Correio da Manhã (CM). Tal como alguns, muitos, já a adjectivaram, trata-se de um jornal que pratica um jornalismo de merda. Tenho, aliás, dúvidas que se possa chamar àquilo jornalismo, ou mesmo jornal. Mas enfim. Convém referir que nunca fui leitor desse tablóide, nunca o comprei e, tenho a certeza, jamais o comprarei ou lerei.
Mas esta chamada da primeira página é insultuosa para qualquer cidadão. Não bastava a ironia, fizeram questão de afirmar o seu ódio pelas minorias e pelas pessoas com alguma deficiência. Com certeza, para esses pseudo-jornalistas, um cego, um surdo, um mudo, um deficiente motor, ou com qualquer outra doença, não são cidadãos plenos, falta-lhes parte dessa cidadania. Assim como também a pertença a um grupo minoritário é impeditiva de exercer ou usufruir da plena cidadania.
Que nojo!

25 novembro 2015

o monstro da matemática e seus explicadeiros

A propósito das dificuldades que a minha filha apresenta a matemática, dei comigo a questionar os meus botões cerebrais: porque é que há tantos alunos do ensino básico (2º e 3º ciclo) e do ensino secundário a recorrerem a apoios suplementares à disciplina de Matemática? Esta foi a questão inicial que me levou a uma reflexão e, depois, à procura de respostas. Se partilharmos com alguém esta questão, a resposta mais imediata é que na Matemática precisa-se ter bem consolidadas as bases e se estas falham então nunca mais se consegue acompanhar a construção do edifício. Pois bem, posso até concordar com essa premissa, mas parece-me bastante simplista ou redutora. Face à dimensão do problema, parece-me que existirão outras causas ou razões.
Num primeiro momento, o raciocínio foi o seguinte: Muitos professores de Matemática dão apoio ou explicações a outros alunos fora da sua escola; muitos alunos procuram apoio de outros professores que não os seus na escola; logo, existe um mercado de serviços prestados em rede, ou talvez melhor, uma troca de serviços entre professores... - ora dá cá os teus alunos, toma lá os meus...
Se acreditássemos em teorias da conspiração poderíamos logo denunciar: - pois claro, a classe profissional funciona em lobby e protege-se, estabelecendo um nivelamento por baixo da qualidade do ensino, incentivando assim a existência e manutenção de um mercado paralelo de ensino privado e isento de qualquer controlo.
Outro raciocínio, decorrente em parte desta conspirativa teoria, é que os professores de Matemática têm consciência das dificuldades sentidas e acreditam na perspectiva da falta de fundamentos para a construção do edifício, logo estão a admitir que, para além da aptidão natural dos alunos, eles não ensinam bem e com qualidade. Falta sempre alguma coisa no passado para justificar as presentes dificuldades e a recorrência ao mercado dos explicadeiros.
Procurámos algumas respostas para percebermos este cenário nacional actual e, também, passado.
Jorge Buescu, no seu ensaio "Matemática em Portugal - uma questão de Educação" (27), editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, numa perspectiva diacrónica e histórica, adianta algumas hipóteses:

A debilidade do sistema de ensino é particularmente visível e aguda na disciplina de Matemática. Um aluno não pode ter uma preparação universitária excelente em Matemática se não teve uma preparação pré-universitária excelente; e não pode ter uma preparação excelente, no final de cada ciclo de ensino pré-universitário, se no anterior não teve também uma preparação excelente.
Como já se afirmou diversas vezes, o ensino da Matemática é implacavelmente cumulativo e não permite que se saltem degraus. Esta razão, e a universalidade do seu ensino, fazem com que a Matemática possa funcionar como uma espécie de "termómetro de qualidade" de uma escola. (...) Uma escola em que o ensino da Matemática é medíocre não pode ser uma boa escola.
Sendo o nosso ensino das ciências, em particular da Matemática, muito pobre, seria surpreendente que alguma vez tivesse emergido um líder científico ou matemático de nível mundial em Portugal. (...) Não é por acaso que a esmagadora maioria dos matemáticos activos em Portugal trabalham no ensino superior.
(...) No caso específico da Matemática, há outras circunstâncias agravantes. O sistema educativo português parece ter horror à ideia de controlo de qualidade e do reconhecimento da diferença e do mérito. Isto é fatal para a Matemática. A inteligência matemática parece ser bastante democrática, caracterizando-se por uma distribuição razoavelmente uniforme na população. Os factores que depois farão a diferença no seu aproveitamento são, por um lado, a qualidade do sistema de ensino e, por outro, a detecção precoce do talento.

Claro que existirão outras opiniões e outras razões, neste caso parece-me pertinente a tónica na qualidade do ensino, que entre outras consequências, reforça a ideia que os professores dos ensinos pré-universitários carecem de qualidade e exigência. Esta poderá ser a razão seminal de todo o problema e não a imputação exclusiva aos alunos que têm ou não têm aptidão, ou que se esforçam ou não. Quero com isto tudo, terminar afirmando que estou convencido que não é culpa exclusiva dos alunos, por falta de atenção, gosto ou dedicação, mas sim algo mais estrutural e estruturante que tem, provavelmente desde sempre, norteado o ensino da Matemática em Portugal.

enfim...

Nas vésperas da tomada de posse do XXI Governo Constitucional, depois de um período de desnorte do finado Presidente da República, finalmente vai haver novo governo e, espera-se, um governo de esquerda. Não sei se António Costa dará ou não um bom primeiro-ministro, mas as expectativas em relação ao governo no seu conjunto são relativamente elevadas. Espero sinceramente que corra bem e, perspectivando da esquerda, lugar onde me encontro, espero que este governo possa dar respostas rápidas e eficazes aos problemas sociais que por cá existem.
Daquilo que tem sido apresentado pela comunicação social, o elenco ministerial não me merece qualquer comentário, preferindo dar-lhes o benefício da dúvida. De qualquer forma, ao verificar os nomes dos futuros ministros não posso deixar de referir a sensação mais do que evidente de que são muitas as caras do costume socialista. Percebo a necessidade da experiência e capacidade política na escolha de alguns elementos, mas parece-me redutor para o PS recorrer durante tantos anos sempre aos mesmos personagens. Mas vamos lá mostrar que há alternativa, que há outra forma de governar o país. Força.

24 novembro 2015

o estudo de alguns bois

Pois parece-me que ainda vou, um dia destes, dedicar-me ao estudo desse personagem tão carismático da vivência rural tradicional portuguesa. Foi o texto de A. M. Pires Cabral na última revista Granta que me despertou a actual curiosidade e agora encontrei este bonito livro de Bento da Cruz sobre o Boi do Povo em terras do Barroso, na visita ao Porto book stock fair. Vou ler com atenção e mastigar algumas ideias que por aqui trago.

porto book stock fair

Sou um assíduo visitante e um alegre adepto deste tipo de eventos, onde podemos com calma ver, sentir e ler livros. Sempre que tenho conhecimento desses eventos na Invicta ou arredores, lá estou eu à procura de algum livro que me interesse, ou de alguma promoção real, ou ainda de alguma raridade. Acontece que à medida que os eventos anualmente se repetem e à medida que o meu acervo vai crescendo, começa a ser mais difícil encontrar algo para trazer para casa. Na verdade, o meu critério tem vindo a ficar cada vez mais selectivo e, por isso, deixa de haver razão para continuar a frequentar esses certames.
Aconteceu uma vez mais com a recente visita ao pavilhão Rosa Mota, onde decorre até 6 de Dezembro a "Porto book stock fair", onde no meio de milhares de livros não consegui identificar mais do que uma meia-dúzia de livros que me fizeram parar, pegar, consultar índice e verificar preço. Constacto que lá vou apenas pelo prazer dos livros, pelo prazer de estar entre eles e de mexer neles. Acabei por apenas trazer um pequeno livro. Também em relação aos preços, apesar de podermos encontrar muitos livros descontinuados a um, dois e a três euros, a maioria dos livros que ainda estão em circulação no mercado têm descontos simbólicos de um ou dois euros apenas. Por último, uma nota crítica em relação ao nome do evento... não percebo a necessidade da designação em inglês. Qual será o objectivo?!... Prestígio?!... Chegar a públicos estrangeiros?! Não me parece. Quanto a mim desnecessário.

18 novembro 2015

or'era amor! *

O Estado Islâmico, auto-proclamado califado, terá por ambição ou objectivo último a reconquista de todos os territórios que um dia, num passado bastante longínquo foi terra de Alá. Actualmente está confinado a parte do Iraque e parte da Síria e, ou muito me engano, jamais crescerão para além das fronteiras desses países, quando muito, das fronteiras de um ou outro estado vizinho. Não deixa de ser impressionante olhar para estes mapas e imaginar a loucura que seria um grupo de fanáticos e assassinos alcançarem tal dimensão no mundo. Esta gente não tem sequer a noção da realidade actual. Em pleno século XXI, estes assassinos vivem ainda na baixa idade média (e estou a ser simpático). Espero que muito em breve a existência desta minoria muçulmana seja apenas uma página triste e lamentável na história da humanidade.

* A escolha deste título, implica algum prazer sádico por saber que jamais estes mapas serão uma realidade. E por isso mesmo utilizei esta expressão como título, pois representa uma interjeição que na minha aldeia é apenas utilizada quando alguém considera que algo não é possível ou algo que não se vai realizar.


a quem interessar...


terroristas e refugiados

No rescaldo do atentado de Paris e agora que a poeira assentou e muitos dos pormenores do massacre se começam a conhecer, podemos constatar como não há qualquer relação entre estes terroristas islâmicos e a vaga de refugiados que chegam diariamente à Europa provenientes da Síria. Nenhum dos terroristas implicados neste atentado é Sírio. Convém esclarecer, afirmando e reafirmando, esse facto, pois vários responsáveis europeus e vários órgãos de comunicação social logo se apressaram a estabelecer uma relação directa entre os dois acontecimentos, parecendo mais que estavam à procura de um pretexto para tomarem as medidas que sempre quiseram tomar, mas por pudor ou vergonha, foram protelando no tempo. Será uma vergonha civilizacional para a Europa, por reacção abandonar ou maltratar todos esses homens e mulheres que fogem da guerra, fogem do terrorismo nas suas casas.

fast and junk food


Não sendo um adepto fervoroso ou sequer assíduo da comida rápida ou da comida lixo, é ainda com relativa admiração que observo, e verifico pelos consumos, o fascínio que as gerações mais novas nutrem pelas diferentes e variadas ofertas desses cardápios. Qual será a substância secreta e, com certeza, proibida, cancerígena, ou pelo menos maléfica para a saúde, que arrebata o palato dessa enorme massa anónima que dá pelo nome de juventude?! Apesar de banal, simplificadora de processos e libertadora de trabalhos domésticos, é estranha e, para muitos, jamais se entranhará. Sem fundamentalismos, aceitando-a como mais uma opção dietética à qual, com parcimónia, poderemos recorrer, continuo a dar preferência a uma alimentação mais demorada e, mesmo quando penso em simplificar e acelerar processos, o que me ocorre é sempre algo como uma sande de panado, uns ovos estrelados, cozidos ou mexidos, omeletes, atum enlatado, sandes mistas e afins. Sempre bom e fácil. Digo eu.

14 novembro 2015

a nossa civilização

(bansky)

Uma vez mais, e mais uma vez em Paris. Quantas mais vezes serão precisas, quantas mais mortes inocentes serão precisas para a nossa civilização dar uma resposta séria e definitiva?! Tanta ciência, tanta nova tecnologia, tanto desenvolvimento e não se consegue erradicar deste mundo um grupo de fundamentalistas e radicais cujos referenciais são mitos e hipotéticos factos históricos com milhares de anos. Sentem-se pertencentes a uma civilização que já não pode existir na actualidade e querem-na impôr ao resto do mundo. Nem todo o relativismo cultural do mundo pode compreender estes actos de pura barbárie. Sabemos que se tivessem possibilidade, não hesitariam em nos matar a todos.
Sou um pacifista, nunca apoiei nenhuma guerra ou ofensiva contra minorias étnicas ou culturais, mas neste caso sou apologista de uma resposta drástica e sem qualquer contemplação. Destruir, matar e erradicar qualquer resquício dessa gente será o mínimo a fazer.
Outro problema é a questão social em França e mesmo em toda a Europa. Não podemos, nem devemos, num momento de dor e de consternação, confundir tudo. Julgo que não será por acaso, nem por questões de segurança, que a escolha destes terroristas é a França e, principalmente, Paris. Não podemos esquecer que a França será o país europeu com maior percentagem de cidadãos muçulmanos, emigrados e seus descendentes que permanecem agregados em comunidades religiosas fechadas e secretas, onde o fundamentalismo será facilmente disseminado. É essa realidade e, de certa forma, liberdade que dificulta o trabalho dos sistemas de informação e segurança nacionais. Por outro lado, a livre circulação de pessoas pelo espaço Schengen não só facilita a circulação desta gente, dificultando a sua localização e referenciação, como permite a criação de outras células terroristas noutras cidades europeias, tornando impossível termos sequer a ideia do seu número.
Nada contra o Islão, tudo contra o fundamentalismo religioso, seja ele associado a Alá, ou a Jeová ou a Deus. Nenhum problema de consciência nos deverá impedir de proteger a nossa civilização, o nosso modo de vida e a liberdade individual e colectiva que nos caracterizam e que a eles tanto custa a compreender e aceitar. Quero continuar a poder dizer bem alto: Liberdade, igualdade e fraternidade.

13 novembro 2015

a quem interessar...

12 novembro 2015

analogia

Se a nossa mulher, por exemplo, nos põe constantemente demasiado açúcar no chã, não é porque tenha demasiado açúcar guardado na despensa; é porque não foi educada no melhor modo de lidar com a doçura. Da mesma forma, o problema de saber como viver uma vida boa nunca pode ser solucionado por recurso ao intelecto.
William Boyd, 2015:105 - in Granta nº 6

mediascape: santa ignorância


Esta foi a imagem (cartaz) que os putos do PSD resolveram colocar no facebook para tentar ilustrar o assalto ao poder dos partidos da esquerda portuguesa. Do lado direito da imagem e por trás de Jerónimo de Sousa colocaram uma das mais icónicas fotografias da 2ª guerra mundial e, mesmo do século XX, o hastear da bandeira da URSS na tomada de Berlim nazista. Para além da infeliz criatividade e da inocente comparação da PaF com o regime nazi, a iniciativa demonstra a imensa ignorância desses meninos e meninas. Procurei, mas não encontrei explicações por parte da direcção desses betos. Devem estar espantados assombrados com a importância histórica da fotografia. Devem tê-la escolhido por ser bonita e radical. Não sei, mas foi por aqui que andaram alguns dos ilustres senhores e senhoras que nos têm governado. Essas escolas do empreendedorismo nos gabinetes ministeriais e afins que são as jotas, deram e dão resultados destes. Só de pensar que serão estes os homens e mulheres que amanhã poderão conduzir os destinos do país, fico amargurado.

11 novembro 2015

o dia depois, a rua (4)

Outra constatação destes últimos dias é o interesse, a participação, eu diria melhor, a implicação de muita e muita gente neste processo. Não haverá português, exagerando um pouco, mesmo entre aqueles que são abstencionistas e indiferentes crónicos, que não se pronuncie, que não tenha opinião sobre o que está a acontecer no país. Para percebermos tal, basta sair e andar na rua ou frequentar lugares públicos.
Como a espuma dos dias de agora contrasta com a normal, histórica e crescente descrença e indiferença dos portugueses pela coisa da res publica dos últimos anos e até décadas! Seja para concordar, discordar ou vice-versa, com razão ou sem ela, com elegância ou trauliteiramente, a verdade é que a política retornou ao centro da nossa urbanidade e isso é positivo, muito positivo. Quem sabe, poderá até contribuir para a diminuição das abstenções em futuras eleições. Penso eu de que...

o dia depois, a tormenta (3)

A consciência da realidade que experimentamos por estes dias, leva-nos obrigatoriamente à reflexão sobre os dias que aí virão, sobre as enormes dificuldades que se adivinham no horizonte. Essa tormenta não é exclusiva a Portugal. Se olharmos à nossa volta, muito facilmente perceberemos como a Europa está à deriva, sem líderes capazes e competentes, sem políticas e, acima de tudo, repleta de elos fracos que, nas suas mais variadas manifestações, se predispõem a destruir, ou pelo menos questionar o edifício europeu. Entre outras, verificamos:
- Reservas sérias e programáticas britânicas quanto à manutenção na UE;
- Reforço da direita e extrema-direita em vários estados, incluindo vários governos e manifestando posições anti-europeias;
- Crise dos refugiados que, per si, já é potencialmente uma tragédia para a Europa, e que despelou sentimentos, manifestações e reacções por parte de alguns países, que julgávamos não serem possíveis numa espaço partilhado, sem fronteiras e de livre circulação;
- A construção de muros, barreiras, arames farpados, campos de refugiados, ou seja, ambientes pouco habituais na contemporaneidade europeia;
- Movimentos independentistas, como aqui ao lado em Espanha, onde a situação se extremou e poderá ser o precedente para outras experiências regionais;
- Fragilidades económicas de vários estados, que levaram à subtracção das capacidades democráticas um pouco por toda a Europa;
- Uma estrutura central Europeia enredada pela burocracia e seus burocratas, dominada pela tecnocracia e seus tecnocratas, que afastaram dos centros de decisão os cidadãos e substituíram a supremacia democrática - o perfil fundador da Europa, por um directório anti-democrático, chantagista e opressor, a quem todos devem obediência.
Perante estes factos ou realidades, a tormenta que se adivinha até poderá ser bem frutuosa. Claro que haverá riscos e alguns dos seus pressupostos são ainda desconhecidos. Aquilo que aconteceu na Grécia foi o primeiro sinal dessa mudança, agora em Portugal e daqui a dias será em Espanha. A ver vamos. Estou expectante perante a possibilidade de descontruirmos este edifício caduco e sem futuro. Penso eu de que...

o dia depois, a esperança (2)

Eu hoje acordei num país novo, num país diferente!
Não, não estou a delirar, nem estou em negação, nem estou a prognosticar. É verdade, pela simples razão de saber que Passos Coelho e o seu governo PaF foram demitidos pela democracia, na sua sagrada casa e não legislarão mais, sinto-me um rapaz novo, optimista e esperançoso. E tenho os dois pés bem pousados no chão, estou bem consciente das dificuldades destes novos dias e seus desafios. Mas não importa. A possibilidade de saber que, agora sim, pode ser diferente, liberta-me de todas as frustrações e derrotas que trazia comigo destes últimos anos. Não conheço os dias de amanhã, mas tenho esperança. Tenho esperança pela justiça, pela educação, pela saúde e pela qualidade de vida que é devida a todos. Esperança que homens e mulheres tomem decisões não a pensar em mercados, em credores ou em números, mas a pensar em pessoas reais e seus problemas.
Recolocar os cidadãos, os homens e as mulheres, no centro da estrutura a que chamamos país, estado ou nação; recolocar os cidadãos, os novos e os velhos, no centro das preocupações e decisões programáticas e políticas; recolocar os cidadãos, os activos e os passivos, no centro das opções possíveis, transformando as demais em não-opções. O Homem no lugar do dinheiro, o cidadão no lugar do burocrata, o político no lugar do economista, o humanista no lugar do financeiro. E assim teremos um país diferente. Assim a esperança permanecerá. Penso eu de que...

o dia depois, o odioso (1)

Bastou o amanhecer do dia seguinte à queda do governo PaF para se perceber como a sociedade portuguesa vive tempos conturbados. Muitos analistas políticos e opinadores de ocasião televisiva têm vindo a alertar para as fracturas, as crispações e as divisões sociais que a conjuntura política tem proporcionado. O resultado das últimas legislativas foi a consequência lógica, ou o epílogo desse ressentimento social. Esperariam os partidos da direita e os seus representantes que não houvesse alterações concretas e estruturais depois da governação autista, sobranceira, arrogante e discriminatória que exerceram durante os últimos quatro anos?! A queda desse governo era inevitável face, não à crispação, mas ao puro ódio social que se sente nas ruas. Não haja dúvidas que o ódio é o sentimento mais recorrente por estes dias e a fractura política verificada, apesar de eu não ter a certeza que corresponde à fractura social, pelo menos permitiu-nos perceber, definitivamente, a posição exacta de quase todos os partidos políticos com representação parlamentar. Digo quase todos porque há uma excepção que é o PS, pois dada a sua natural centralidade (aquilo a que alguns chamam "charneira"), terá sempre e a cada momento a possibilidade de poder escolher de que lado da fractura pretende ficar. Seria hipócrita se não reconhecesse que prefiro o PS do lado esquerdo dessa fractura, tal como aparentemente está hoje, mas sei que muito rápida e facilmente poderá trocar e empurrar a cisão política para o seu lado esquerdo e posicionar-se na outra margem. Claro que tudo isto implica que também seja o PS a carregar, a cada momento e situação, o odioso político e, acima de tudo, social, o que em última instância poderá provocar sérias e irreversíveis cisões dentro do PS, o que, a acontecer, não seria assim tão negativo até para o próprio partido. Penso eu de que...

04 novembro 2015

significações e seus étimos locais

Na última Granta portuguesa (nº 6), dedicada à Noite, encontrei logo no primeiro texto, de autoria de A. M. Pires Cabral, uma reminiscência de tempos antigos e dos quais a minha memória consegue alcançar. Escreve ele:

Na incomparável e cheia de propriedade linguagem da minha terra, chama-se a uma tal mulher - porque esse é um ofício exclusivamente feminino - uma chegadeira. Pode parecer que o termo "chegadeira" traz consigo uma certa carga humorística ou punitiva (ridendo...), mas não estou certo de que assim seja. Ele é usado com total naturalidade. Vem de "chegar", que, entre outros significados que o verbo partilha com o Português normal, significa também, inocentemente, "levar a fêmea (geralmente falando da vaca) à cobrição". "É preciso chegar a vaca ao touro", diz-se com toda a candura deste mundo quando a vaca dá sinais de querer. No mundo rural, onde os humanos e os irracionais compartilham a condição animal em toda a sua extensão, tanto se chega uma vaca ao touro como uma rapariga ao seu pretendente. Tudo é chegar.

Pois eu também me lembro bem de levar as vacas ao boi, sempre que davam sinais de estarem com o cio. Não se utilizava era o termo "chegadeira", mas sim uma designação - "andar à cria", para significar o momento ideal para a cobrição. Esse momento era manifestado e perceptível pela vontade das fêmeas que, quando em manada, saltavam para cima de outras fêmeas, simulando o acto de cobrição - isto porque normalmente as manadas eram apenas constituídas por fêmeas. Em toda a aldeia existiam apenas dois ou três bois cobridores. Respeitáveis exemplares da raça mirandesa que se passeavam sobranceiros pelas ruas e canelhas da aldeia e cujos proprietários, conscientes do seu valor seminal, lhes davam bom trato e os libertavam do trabalho pesado da faina agrícola. Tendo em conta a quantidade de vacas, o sémen destes garanhões era extremamente cobiçado e havia mesmo uma corrida para o agendamento de cobrições. Momentos, com certeza, prazerosos para os animais, mas de vital importância para o equilíbrio e estabilidade das famílias.
Nesse tempo, que eu próprio experimentei e testemunhei, este vocabulário e suas significações eram totalmente reconhecidas por todos os indivíduos, que desde a mais tenra idade haviam sido boieiros(as) e haviam participado nesse devir da natureza animal. Actualmente, num tempo em que nem sequer existe gado bovino na aldeia, não só as gerações mais novas nunca experimentaram "levar e guardar a cria", como não reconhecem terminologias e procedimentos. Algo mais se perdeu, neste incessante correr do tempo e também por isso, as palavras de A. M. Pires Cabral se revelaram da maior importância para mim.

voyeurismo


Apercebi-me hoje que está em promoção um filme sobre Cristiano Ronaldo, que estreará no próximo dia 9. Mesmo. Eu não consigo entender a sua existência, ainda por cima no circuito comercial ou mainstream, a não ser como um produto bem embalado de marketing, explorando as lógicas de mitificação, de idolatria e de veneração, destes deuses pós-modernos de consumo imediato. Não percebo como alguém poderá pagar um bilhete para assistir a este filme. Só pode ser voyeurismo.

03 novembro 2015

mediascape: apenas ridículo

Três dias apenas depois de ter tomado posse como ministro da administração interna, Calvão da Silva foi ao Algarve tomar conhecimento in loco da dimensão da catástrofe natural que se abateu sobre a região. Quando interpelado pelos jornalistas disse, entre outras coisas:
- "Por isso fiz questão de começar esta visita pelos cumprimentos de condolências à família enlutada. Era um homem que já tinha vindo do estrangeiro, tinha 80 anos, fica a sua mulher Fátima. Ele, que era um homem de apelido Viana, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar adequado."
- "A fúria da natureza não foi nossa amiga. Deus nem sempre é amigo, também acha que de vez em quando nos dá uns períodos de provação."
- "Em Albufeira, a força da natureza na fúria demoníaca, embora os ingleses digam que é um ato de Deus, um 'atc of God', nós temos que traduzir de outra maneira."
Que conversa é esta? Onde foi Passos Coelho desencantar esta figura? Um ministro da república não pode falar assim. Muito se poderia dizer acerca desta beatice, completamente deprimente e vergonhosa, mas visto e ouvido, vou dizer que é apenas ridículo. Este senhor já foi ministro o tempo suficiente. Ainda bem que, em breve, se vai embora e regressar para as calendas do tempo, de onde nunca deveria ter saído.

30 outubro 2015

acabadinha de chegar...


O tema deste número é Noite, o que me fez lembrar a velha música dos Sitiados de João Aguardela, em que este cantava: passa-se a noite, passa-se o tempo devagar... Para as próximas horas e dias, na expectativa de um tempo vagaroso para ler devagar.

dia dos vivos

Quando me preparo para embalar a pequena trouxa com as necessidades de um fim-de-semana fora de casa, lembro como, num passado até bem perto do presente, estes eram dias de referência para nós e cuidadosa e antecipadamente preparados. Era o fim de semana dos santos e dos finados todos, o que obrigava meio país e a nós a viajar, numa romaria singular. Se bem recordo, nesse tempo pré-IPs e ICs, estes eram os dias de maior confusão nas estradas nacionais e de caos para entrar e sair das grandes cidades. Eram sempre dias de partir e chegar tarde, eram sempre dias de muita estrada. O regresso ao lugar de origem para homenagear aqueles que já não vivem, com toda a parafernália necessária e florar para os rituais e celebrações era e, provavelmente, ainda é para muitos, um tempo-espaço extraordinário e obrigatório. Liberto dessas amarras ao sagrado, continuo a viajar nesses dias, mas sem o mesmo propósito. A idade e, acima de tudo, outros valores e interesses, levaram-me a uma outra visão do fenómeno. Respeitando sempre quem se mantém, vou acompanhando de longe e percebendo com clareza que eles e também nós, através da recordação desses que já não estão cá, não fazemos mais do que celebrar a vida de todos e de cada um de nós.
Como parecem longínquos esses dias.

28 outubro 2015

improbabilidade

Numa conversa com a minha criança (4 anos):
Eu - Então e quando fores grande o que vais querer ser?
Ele - Vou ser motoqueiro.
Eu - Ai é? Mas queres fazer corridas nas pistas ou queres fazer motocross nos montes?
Ele - Não pai. Nada disso, não percebes nada! Eu quero levar as pizas.
Eu - Ok, está bem. Já percebi.

a quem interessar...

27 outubro 2015

mediascape: o tudo e o nada são cancerígenos

Por estes dias temos sido confrontados com uma bateria de informações alarmistas em relação ao consumo de vários ingredientes, numa tal sucessão como eu já não me recordo ter acontecido. O que se passa? Esta gente ficou parva?! Ou eu ando enganado e daqui a algum tempo, irei ser surpreendido com alguma doença grave, ou a psicose social, ou melhor, colectiva, ganhou recentemente novas proporções. Claro que não se deve abusar nos consumos de enchidos, fumados e afins, claro que não se deve abusar das carnes vermelhas (até porque a Isabel Jonet não deixa...), claro que não se deve abusar do vinho, da cerveja, do bagaço e afins, claro que não se deve abusar das gorduras animais ou mesmo vegetais, mas não era preciso este verborreia alarmista que invadiu nas últimas horas os media, pois já a minha avó não me deixava comer presunto, nem as alheiras e salpicões que a minha gula exigiam. Nem tão pouco me deixava comer mais do que um ovo e, mesmo assim, só de quando em quando. Só havia alforria para o pão com... pão. Qual é a novidade e a necessidade da informação agora divulgada? Ridícula. Uma vez mais, depois de tantas outras, cheira-me a pressões empresariais, do sector alimentar, que sob a utilização de termos - estudos, pesquisas, cientificidade, laboratório, testes, comprovado, etc., cuja representação simbólica poucos questionam, tentam passar a sua mensagem. É tanga, ou pseudo-ciência. Se repararmos com atenção naquilo que tem sido divulgado nas últimas décadas, nada e tudo, ou tudo e nada, são potencialmente cancerígenos. Mais vale não comer! Certo?! Será esse o objectivo?!
Tal como sempre, o bom senso e o equilíbrio serão o segredo para uma alimentação saudável. A propósito, hoje ao almoço comi parte de uma chouriça de carne de Vinhais (daquelas que diziam provocar butolismo) com batata ao murro e grelos salteados. Termino com a denúncia da comparação ridícula, que encontrei algures, entre fumar e comer carne vermelha. Parvos!
Estou atento, até porque desconfio desta nova moda e protagonismo exagerado e pós-moderno de nutricionismos e de seus istas.

26 outubro 2015

22 outubro 2015

torniquete que se aperta institucionalmente

Estou em choque com a comunicação do Presidente da República, realizada hoje para indigitar Pedro Passos Coelho como primeiro ministro. E o choque não diz respeito a essa indigitação que é legítima e constitucional. O choque chegou com os comentários, com as afirmações e declarações de Cavaco Silva acerca da não possibilidade de alguns partidos poderem aceder ao poder, nomeadamente, através do governo. Fiquei hoje a saber que, se dependesse deste senhor que, dizem, é presidente da república democrática de Portugal, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda seriam ilegalizados e jamais poderiam ter sequer representação parlamentar. Aliás, desconfio que durante deste últimos dias, desde 4 de Outubro, Cavaco fartou-se de ter pesadelos com o resultado alcançado pela esquerda. Só pode. As poucas máscaras que lhe restavam, acabaram de lhe cair. Guardou para o fim da sua longa existência política a derradeira revelação: um profundo racismo político e social em relação a parte da sociedade portuguesa. Sintomático desse sentimento foi, na declaração de hoje, a referência à atenção e preocupação para com os credores, as agências e instituições internacionais, e nenhuma referência ou preocupação para com os portugueses, trabalhadores, desempregados e pensionistas. Que não haja dúvida em relação a quem elege e mantém refém esta gente no poder. Cavaco Silva não responde perante os portugueses, mas sim perante esses organismos anónimos internacionais.
Eu já andava desconfiado perante a chantagem e a pressão que a opinião publicada exerceu nos últimos dias. Agora este discurso que desvirtua a lógica democrática. A ver vamos qual vai ser a sua opção de indigitar ou não a alternativa de governo do PS com apoio parlamentar do BE e da CDU, ou se preferirá manter em gestão este governo da PaF.
Esta postura do Presidente da República remete-me para o resgate civilizacional imposto a toda a Europa. Aquilo que aconteceu recentemente na Grécia, foi só o primeiro momento desse torniquete que se vai apertando para as democracias, para os estados, para os cidadãos europeus. Receio bem que estejamos a experimentar o segundo momento.

20 outubro 2015

candidaturas a Belém

Ainda há dias me pronunciei sobre o anuncio da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Agora, e com alguns dias de atraso, partilho a satisfação com a escolha do Bloco de Esquerda recair sobre a eurodeputada Marisa Matias, a quem reconheço enorme valor e capacidade política. O BE não poderia ter escolhido um candidato melhor. Assim sendo, transfiro, com alguma pena, a minha intenção de voto no candidato Sampaio da Nóvoa para a candidata Marisa Matias.

lido: o meteorologista

No momento em que começo e, depois, acabo de ler o livro o Meteorologista, não posso deixar de trazer aqui uma ou duas impressões que a leitura rápida deste livro me causou. Já em meados de Julho tinha feito aqui referência ao livro e à vontade que tinha de o ler. Aconteceu agora.
Olivier Rolin serve-se de um caso concreto, o de Alexei Feodossevitch Vangengheim, para testemunhar o terror experimentado pela sociedade russa durante as primeiras décadas do século XX, época da Russia vermelha, dominada e governada através da banalidade do mal por Estaline. A particularidade deste livro é que o autor procura percorrer os últimos anos de vida de Alexei, vítima da máquina destruidora dos Gulag's soviéticos e através dessa experiência retrata o paradigma de terror e de barbárie experimentado, principalmente durante a década de 30. Impressiona como milhares e milhares de cidadão russos aceitaram e acreditaram nessa ideologia comunista, que não fazia mais do que eliminar tudo e todos. Em todo o lado, em cada rosto, procurava uma justificação para a sua eliminação. De alguma forma, a crueldade e a nudez desta narrativa, muito bem escrita, desconstrói o ideário do totalitarismo comunista que iludiu, principalmente durante a primeira metade do século XX, milhares e milhares de indivíduos por todo o mundo.

19 outubro 2015

a quem interessar...

Acabo de receber convite para o lançamento de mais dois trabalhos do Professor Doutor Henrique Manuel Pereira.
No dia 23 de outubro, sexta-feira, pelas 19h00, terá lugar na Universidade Católica Portuguesa-Porto a apresentação conjunta de dois livros: Padre Américo – Frei Junípero no Lume Novo, organizado pelo Prof. Doutor Henrique Manuel Pereira, e Raízes do Tempo – À Volta de Padre Américo, da autoria do mesmo Professor. A apresentação das obras estará a cargo dos Prof. Doutor Francisco Carvalho Guerra e Prof. Doutor Vitor Teixeira. (retirado daqui...)


Como não poderia ser de outra forma, lá estarei para lhe dar um abraço amigo. Até lá.

15 outubro 2015

a LER de Outono


Acabei de comprar a revista LER deste outonal trimestre. Numa espreitadela fugaz, encontrei esta preciosidade...
O livro do não sei quê (O Livro do Desassossego) aborrece-me de morte. A poesia do heterónimo Álvaro de Campos é uma cópia de Walt Whitman; a de Ricardo Reis, de Virgílio. Pergunto-me se u m homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor. (António Lobo Antunes, El Pais)
Não havia necessidade!

09 outubro 2015

sempre o acordo. de acordo

Um Professor da universidade de Évora escreveu ontem, dia 8, um excelente artigo sobre o Acordo Ortográfico. Não o vou transcrever na totalidade, apenas algumas frases. Ainda bem que o debate não esmorece e há quem continue a acreditar que o referido acordo é uma cagada em três, ou mil novecentos e noventa actos. Ainda assim deixo aqui a ligação para o referido artigo de opinião.

"Uma das consequências mais espectaculares desta mudança ou simplificação ortográfica foi a de afastar o português falado de Portugal do português falado do Brasil"


"Com a ideia de unificação gráfica entre variantes da língua portuguesa, o que se conseguiu foi precisamente o contrário ao nível da oralidade"

"O acordo ortográfico de 1990, ao declarar que se deve escrever “receção”, “setor”, “deteta” e “ativo” porque essas palavras se pronunciam assim em Portugal, não somente está a levar ao delírio velhas e bafientas noções de simplificação e unificação, mas está também a construir uma gigantesca mistificação"

"O AO90 consegue concretizar duas grossíssimas asneiras ao mesmo tempo: deseduca-me como falante do português e presta um péssimo serviço à unidade transcontinental da língua"

"O AO90 dá tudo, tudo, a portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos e tantos mais, menos a única coisa que talvez nos interesse na língua portuguesa: escrever e dizer bem"

já sei em quem não vou votar...

mediascape: da incompetência à soberba...

...é um instante televisivo.
José Rodrigues dos Santos, pivot do telejornal da RTP, num destes dias a propósito da composição da nova Assembleia da República, referiu-se ao candidato Alexandre Quintanilha, cabeça de lista do PS pelo Porto, como sendo "o eleito ou a eleita" mais idoso(a).
Polémicas à parte entre o PS e a RTP daí resultantes, parece-me indigno por parte de um jornalista referir-se num tom jocoso ao deputado aludindo à sua orientação sexual. O facto de Alexandre Quintanilha ser homossexual assumido, não altera o seu género, nem condiciona a sua actividade social, nem tão pouco a sua participação naquilo que é a res publica.
Não sei como é possível o canal de televisão de serviço público em Portugal tolerar comportamentos, ou desempenhos como este. No mínimo uma suspensão e um processo disciplinar. Por decoro e por vergonha, a demissão. Obviamente e sem delongas.
É preciso não esquecer que esse proeminente intelectual que gosta de piscar o olho para a câmara sempre que se despede dos seus fãs e leitores, é o mesmo que ao serviço da RTP e em reportagem se  permite fazer juízos de valor e destratar pessoas, comunidades e instituições. Para além disso, é o mesmo que, iluminado pelo luminoso das suas ficções, se dá ao direito de escrever livros de centenas ou milhares de páginas, cujos conteúdos deveriam envergonhar um analfabeto.
A soberba do sujeito ao afirmar: "Nós, os escritores...".

06 outubro 2015

mediascape: déjà vu palestiniano

Um vez mais, sempre mais, cada vez mais, as notícias de confrontos entre Israelitas e Palestinianos que se eternizam, chegam-nos via TV, mas na verdade já estamos tão familiarizados com tais imagens que já relativizamos esse drama político, cultural e religioso que aparenta não ter solução. Voltam a morrer pessoas, Palestinianos, claro.
Há pouco menos de cem anos, eram as potências europeias, saídas vitoriosas da grande guerra que negociavam a administração desses territórios. Era a coroa inglesa o jogador principal desse tabuleiro da geopolítica mundial e quem determinava as políticas para o Médio Oriente. Durante a década de vinte do século XX, Winston Churchill, enquanto ministro das colónias, foi um dos principais actores dos destinos da Palestina.

Na sua biografia "Churchill: A Life" de Martin Gilbert (1991:328), podemos conhecer parte desse processo:
Quanto à Palestina, disse Churchill a Abdullah (emir), enquanto fosse permitida a entrada dos Judeus, «os direitos da população não judaica existente seriam rigorosamente mantidos». Abdullah aceitou estas garantias, mas os Árabes locais, não; numa petição a Churchill eles avisaram que se a Grã-Bretanha não prestasse atenção ao seu clamor por um fim da imigração judaica, «então talvez a Rússia, ou mesmo a Alemanha, leve um dia a sério o seu brado». O objectivo dos sionistas, alertavam os Árabes, era estabelecerem um reino judaico na Palestina «e gradualmente controlarem o mundo».
Os Árabes pediram a Churchill a abolição do princípio da pátria judaica, o estabelecimento de um governo nacional «eleito pelo povo palestiniano» e a cessação da imigração judaica até que estivesse instalado um governo palestiniano. Churchill respondeu-lhes que não estava em seu poder deferir o seu pedido «nem, mesmo que estivesse no meu poder, seria esse o meu desejo», e acrescentou: «Além disso, é manifestamente justo que os judeus que se encontram espalhados por todo o mundo possam ter um centro nacional e uma Pátria, onde alguns deles possam ser reunidos. E onde poderia isto ser, senão nesta terra da Palestina com a qual ao longo de três mil anos eles estiveram íntima e profundamente associados?» A Palestina podia sustentar «um número de pessoas muito superior ao do presente»; os Judeus iriam trazer uma prosperidade da qual beneficiariam todos os habitantes; não seriam despojados nenhuns árabes. Um governo próprio com a possibilidade de uma maioria judaica, iria levar tempo. «Todos nós já teremos desaparecido desta terra, também os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos, antes que isso seja plenamente conseguido.»
Aos Judeus da Palestina, cuja delegação ele recebeu logo a seguir aos Árabes, Churchill referiu-se ao sionismo como «um grande acontecimento no destino do mundo» e desejou-lhe sucesso para vencer as «sérias dificuldades» que se apresentam no seu caminho. «Se eu não acreditasse no vosso mais alto espírito de justiça e idealismo», disse ele, «e em que o vosso trabalho irá efectivamente conferir bênçãos a toda a região, eu não teria as grandes esperanças que tenho de que eventualmente a vossa obra será cumprida.»
Churchill plantou uma árvore no local da futura Universidade Hebraica no monte Scopus. «A esperança da vossa raça ao longo de tantos séculos será gradualmente realizada aqui», disse ele, «não só para vosso próprio benefício mas também para benefício de todo o mundo». Mas os habitantes não judaicos não devem sofrer. «Cada passo que se dê deverá portanto ser para o benefício moral e material dos Palestinianos, todos, Judeus e Árabes por igual». «Se isso for feito, a Palestina será feliz e próspera; a paz e a concórdia reinarão sempre; ela converter-se-á num paraíso, numa terra de leite e mel na qual os sofredores de todas as raças e religiões encontrarão o descanso depois das suas provações». 

enfim, migração para a maçã

Depois de muito tempo às voltas com esta decisão, resolvi sair da minha "zona de conforto" e migrar. Foram muito meses ou anos a ganhar coragem para viajar e levar comigo a tralha toda de uma vida para um novo universo, onde tudo é diferente e ainda complicado. Para além da resistência natural e atávica ao mundo, às rotinas e procedimentos conhecidos, havia também a questão financeira, pois neste novo ambiente, elegante, clamoroso e apelativo, o custo de vida é muito mais caro. Bem sei que é o preço a pagar pelo incremento do aparato e da qualidade de vida (à mulher de César não basta sê-lo, tem que o parecer...).
Empolgado com a nova aventura, estou a instalar-me e a reconhecer os cantos à nova casa.

05 outubro 2015

notas soltas da madrugada seguinte

Acompanhei a noite eleitoral até ao fim e até não haver mais qualquer resquício noticioso ou opinativo sobre as eleições legislativas de ontem. Depois, num exercício ao jeito do twitter, registei num caderno algumas notas sobre aquilo que acontecera. Aqui ficam algumas dessas notas e alguns dos sentimentos experimentados nesta noite:
* Derrota clara e humilhante de António Costa;
* Inadmissível derrota para o PS, depois de quatro anos de austeridade e amargos sacrifícios;
* Resultado do PS demonstra estado de guerra civil no seu aparelho e estruturas;
* Resultado do PS demonstra a crueldade e, acima de tudo, a inutilidade do assalto ao poder protagonizado por António Costa um ano antes;
* Vitória clara da coligação PAF, sendo a força política mais votada, não deixa dúvidas quanto ao sucesso da sua mensagem;
* Vitória da coligação PAF, apesar de não conseguir maioria absoluta, permite governação;
* Impressionante como Paulo Portas vai sobrevivendo, contra tudo e contra todos;
* CDU mantém a sua base eleitoral, conseguindo mesmo aumentar a sua representação num mandato;
* BE consegue o seu melhor resultado eleitoral, aumentando número de votos e mais do que duplicando o número de eleitos;
* BE consegue polarizar votos à esquerda do PS e, também, do descontentamento socialista;
* Não se materializa o sucesso virtual dos partidos emergentes, nomeadamente, do Livre e do PDR;
* Nenhum movimento ou partido dissidente do BE consegue votação sequer digna de registo;
* Afinal, apesar da minha desconfiança, sondagens estavam correctas - ao contrário do que aconteceu noutros países, as empresas de sondagens em Portugal merecem credibilidade;
* Noite humilhante para António Costa que deveria ter acabado com a sua demissão. Até aí esteve mal. Preferiu ficar agarrado ao lugar. Politicamente insustentável e a partir de agora, a prazo;

Durante todo este tempo de aproximação ao acto eleitoral e até ao próprio dia, fui dos poucos, ou muitos, não sei, que não acreditei que seria possível a PAF sair vencedora, pois sempre pensei que havia memória, que havia racionalidade no julgamento desta governação. Enganei-me. Preferia que tivesse ganho o PS, ainda que soubesse que pouco ou nada iria mudar e de não ter especial apreço por António Costa, de não o considerar um político tão extraordinário como muitos o qualificam. Parece-me até ser um político pouco afirmativo, preferindo sempre o nim e o tão. Veremos o que os próximos dias nos reservam.

30 setembro 2015

instante urbano xxxiii

Ao ser atendido num balcão das finanças por uma funcionária que já mais vezes me atendeu, fui surpreendido com um comentário seu relativo a uma contribuinte que esperava a sua vez para ser atendida, do outro lado do balcão. O nosso diálogo foi, mais coisa, menos coisa, nestes termos:

ELA: - Aquela senhora que está ali é muito interessante. Não acha?
EU: - Diga?!...
ELA: - Aquela senhora tem um ar muito interessante. Não concorda?
Tentando localizar essa mulher, inclino-me para a frente...
ELA: - Não dê tanto nas vistas. Olhe com mais discrição... não sabe como se faz?
Retraio-me e fico quieto...
EU: - Refere-se à senhora loira?
ELA: - Sim. Tem um ar muito fresco. Desculpe estar com esta conversa, mas caramba, temos olhos e eu até tenho quatro (óculos), portanto, só posso ver... não é?!
EU: - Pois...
ELA: - Eu já a conheço daqui. Ela costuma vir cá muitas vezes. Não sei como se chama, nem para quem trabalha... Depois até vou perguntar às minhas colegas que a atendem sempre naquele balcão...
EU: - De facto, eu acho que também já a encontrei cá mais vezes... talvez seja contabilista.
ELA: - Não. Nem tanto. Não tem ar disso. Deve vir representar empresas, talvez das caves do Vinho do Porto.
EU: - Pois, se calhar...
ELA: - Não sei. Aquele ar fresco. Diferente. Ar de sueca...

Entretanto, mudámos de assunto e ela passou a esclarecer-me sobre aquilo que eu lá tinha ido fazer.

29 setembro 2015

Onésimo, despenteador de pensamentos


Tal como sempre, ou como quase sempre, para não exagerar, Onésimo Teotónio Almeida publica um brilhante, inteligente e bem disposto livro. Ao passear-me pelas avenidas, que é como quem diz corredores da FNAC, a propósito, cada vez mais pequenos e despidos, chamou-me a atenção a bonita capa e, principalmente, o gerúndio no seu título. Depois verificando o autor, peguei nele e folheei-o; achei por bem, sentar-me num recanto para, com mais calma, perceber do que se tratava; li até não ter mais tempo disponível e, assim sendo, só me restou a alternativa de o comprar para poder continuar a leitura. Estou a gostar e dada a inteligência deste despenteador, só posso aconselhar vivamente a sua leitura.

Nota: Este título trouxe-me à memória, o tempo em que havia quem me chamasse "despenteado mental". Nunca cheguei a saber porquê. Desconfio, mas não sei.

esquiço

Perspectivando-a (a Sul) podemos adivinhar a longa extensão de areal deserto que se esconde para lá das dunas e que se estende por toda a costa. Neste pequeno segmento de praia, despida da mobília de Verão e silenciosa do boliço humano, só a espaços, uma ou outra pessoa, um ou outro atleta, surgem no horizonte e rapidamente se aproximam e desaparecem por trás de uma proeminente duna. A maré baixa vai permitindo que alguns pescadores amadores entrem no mar e se arrisquem no labirinto das rochas emersas. A neblina marítima teima em cobrir todo o céu, impedindo o Sol de se manifestar em todo o seu poder neste últimos dias de Setembro. No areal, até há bem pouco tempo a fervilhar de vida, convivem ou descansam bandos de gaivotas.
A sensação ao olhar absorto esta paisagem é de tranquilidade e de abandono, bem preferível à poluição estival, o que me permite animar a alma e os sentidos. À medida que nos afastamos do calor e nos aproximamos do frio e das tempestades, maior é o apelo para aqui vir e ficar.

(tentei fazer um esquiço para aqui colocar, mas, como seria de esperar, não consegui...)

21 setembro 2015

processo eleitoral

Pela primeira vez neste século não estou envolvido no processo eleitoral em curso. Desde 2001 tenho-me envolvido, de diferentes maneiras e intensidades (desempenhos), em cada um dos actos eleitorais. Portanto, é com alguma estranheza e, acima de tudo, tranquilidade que aguardo pelo dia 4 de Outubro. Não tenho qualquer dúvida e sei, com convicção e em consciência, em quem depositarei e confiarei o meu voto e qual o meu desejo para o futuro político do país, mas quanto ao resultado final deste processo, tenho várias e sérias dúvidas e angústias. Não quero, nem posso acreditar que haja a possibilidade da actual coligação no governo sair vencedora, mas também não quero explorar aqui esse cenário. Manifestar a minha certeza quanto ao voto e ao mesmo tempo, indiferença e alheamento em relação aos dias de campanha que teremos até ao dia das eleições. Campanhas com direitos de antena na rádio e nas TVs, acções de rua, contacto com populações, entrevistas, comícios, etc e tal, foi chão que já deu uvas, ou melhor, foi peditório para o qual muito já dei. Não há pachorra.
Estarei a ficar velho?!

acordar a falar de amor

Nunca tive a pretensão de ser escritor. Também não sei se essa condição pode ser uma escolha, se podemos acordar um dia e, só porque sim, sermos escritores. Gosto muito de escrever, mas não me sinto capaz de criar uma narrativa imaginada. Sempre gostei de ambientes experimentados, de personagens reais e de tentar recrear esse mundo um dia experimentado por alguém. Daí a relevância dada ao testemunho, a valorização do relato e a escolha pelas etnografias que continuo a praticar.
Apesar disso, talvez um dia me sinta inspirado e capaz de me aventurar a escrevinhar um conto, construir uma história ou um romance. A ideia até já existe há algum tempo, os personagens já estão nomeados e as suas existências e destinos também. A não ser que, entretanto, surja uma outra ideia e uma outra história, essa ficção terá por título "acordar a falar de amor" e mais não digo.

15 setembro 2015

mero desabafo ou subtil pressão?

"PS: é dessa forma que nego as crenças, e com pouco tempo que tive para ler alguns grupos. Espero que eu consiga fazer essa cadeira, para pegar o meu certificado. Obrigada!!"

(comentário que uma aluna minha escreveu a lápis no fim de um exame...)

13 setembro 2015

música para todos em d'bandada

Ontem, dia 12 de Setembro, um Sábado, foi dia de D'bandada na cidade do Porto. Durante todo o dia espectáculos e música variada e gratuita por todo o centro da cidade. Motivado pela participação do mano mais novo, também eu fui com a família participar nesta festa da música destinada a todos, miúdos e graúdos. Impressionante a quantidade de gente que circulava pelas ruas, praças e jardins da cidade. Imagino alguém que tenha aterrado por estes dias na cidade, sem saber, deve ter ficado abismado com a sua "movida". Gosto destes ambientes de rua, mas quando chega a hora de comer, já não me agrada nada tanta confusão. Prefiro retirar-me para espaços mais tranquilos e com menor freguesia. Assim fiz.
Nestas fotografias, momentos antes da actuação da orquestra de guitarras eléctricas da Casa da Música,  no jardim das Oliveiras (jardim dos Clérigos), sob a orientação de Peixe e na qual o mano Ricardo participou.


11 setembro 2015

ler por ler, não!

Não consigo ler algo que não goste. Esta é uma declaração de feitio. Como algo que posso afirmar sem hesitar, quando de literatura em prosa ou poesia se trata. O mesmo não posso dizer em relação à não-ficção, pois aí já li milhares de páginas onde não encontrei o mínimo prazer. Mas li, estudei e terei aprendido sempre algo.
Quando nos damos ao trabalho de procurar a opinião de terceiros, ditos especialistas em literatura, podemos descobrir diferentes e variadas opiniões acerca de livros e de autores. Acontece, porém, que por vezes essas opiniões coincidem no elogio a determinada obra ou autor e eu, enquanto leitor (leigo), sou sensível a esse encontro de opiniões e vou à descoberta desses novos territórios da ficção. Às vezes sou feliz, outras vezes nem por isso, outras vezes ainda não percebo o encanto ou o deslumbre colectivo ou consensual em torno de um autor ou obra.
Apurria-me o desperdício de tempo e de espaço que a leitura de alguns livros, considerados clássicos, me obrigam. Estou como o outro (Pacheco Pereira) que disse, hiperbolizando, que não valeria a pena perder tempo com leituras novas ou de modas. Temos que nos concentrar no essencial e eu considero que, sendo um leitor de todas as horas e dias, por prazer ou afazer, cheguei a uma idade em que posso e devo ser mais criterioso com as leituras que escolho e me ocuparão as horas da minha vida. E há tanta boa literatura para desfrutar. Venha a mim.

10 setembro 2015

um clássico

Depois de muitos anos esgotado, finalmente foi reeditado este magnífico trabalho de Brian O'Neill. Originalmente publicado, em 1985, pela Dom Quixote, na colecção Portugal de Perto, este foi e é um dos clássicos da Antropologia da segunda metade do século XX em Portugal. Resultado do seu trabalho de campo, entre 1976 e 1978, numa pequena aldeia do concelho de Vinhais e, depois, sua tese de doutoramento em 1982, na London School of Economics, rapidamente foi adoptado pelos programas das licenciaturas de Antropologia em Portugal. Foi para mim também leitura obrigatória e, tendo parte da colecção Portugal de Perto, sempre o quis adquirir. Nunca o consegui encontrar. Foi a compra desta visita à Feira do Livro do Porto. Entretanto, continuarei à procura da primeira edição.

09 setembro 2015

avenida das Tílias

Pelo segundo ano consecutivo a Câmara Municipal organiza a Feira do Livro do Porto e, uma vez mais, nos jardins do Palácio de Cristal. Aproveitei a tarde chuvosa de hoje para me passear pela bonita Avenida das Tílias, por estes dias, murada por milhares de livros. Claro que a cada contacto com os vendedores, percebi o desconforto com a chuva que afasta ou impede os "clientes" de visitar a Feira. Contudo, sempre fui aproveitando para, com calma e sem atropelos, afirmar a minha satisfação por poder usufruir de toda aquela oferta quase em exclusividade. Troquei impressões com livreiros, questionei por edições pretendidas, indaguei por livros difíceis e antigos. Fiquei triste por não poder trazer uma mão cheia dessas raridades, pois o seu preço era proibitivo. Soube-me bem sentar numa esplanada, sentir a chuva miúda a cair e cheirar a humidade da terra. Um café, um livro e um estacionamento estupidamente caro, foi o dinheiro que lá deixei. Vou lá voltar um dia destes.

04 setembro 2015

road to nowhere


Esta fotografia capta um momento, na auto-estrada perto da fronteira austríaca, da marcha dos refugiados sírios em direcção à Áustria, vindos da capital húngara, Budapeste. No mesmo instante lembrei-me da música dos Talking Heads, "Road to Nowhere". A sua letra convida-nos para uma viagem sem destino, para bem longe, para uma cidade mental que cresce dia após dia, onde tudo ficará bem, para o paraíso. Será que a vida deste imensa massa de gente apátrida algum dia ficará bem?
Não resisto a colocar aqui um video recente dessa música.
A fotografia ao alto, retirei-a daqui...

02 setembro 2015

mediascape: horror e ignomínia

Acabei de ver a fotografia de uma criança síria morta numa praia da Turquia, consequência do naufrágio de uma embarcação que tentava chegar à Grécia. Não consegui evitar as lágrimas e é com o rosto humedecido que escrevo estas palavras.
Não posso, não podemos aceitar mais imagens como esta. É de uma violência sem paralelo. Não é uma vítima de guerra ou acidente. É uma mártir da hipocrisia em que vivemos. Ponderei copia-la para aqui, mas não o faço porque não a quero ver mais. Nunca mais. Sei bem que o choque de imagens como esta provocam o horror e promovem os lugares mais comuns, naquilo que são as reacções das lideranças europeias. Mas precisamos de mais, de algo diferente daquilo que tem sido a reacção individual de cada Estado. A atitude das elites europeias traduz-se numa ignomínia que, infelizmente, ficará na história do mundo. Também os EUA responderão por esta tragédia, pois a Primavera Árabe que promoveram no Norte de África, não resultou em democracias, mas sim em Estados falhados e à disposição de todos os fundamentalismos.
Ainda hoje trocava impressões com um Presidente de Junta de Freguesia do concelho de Vinhais, a propósito desta tragédia humanitária que experimentamos na Europa e ele dizia, com propriedade, que todas as freguesias de Vinhais bem podiam acudir a esta gente, recebendo e alojando uma ou duas famílias cada. O concelho está envelhecido, sangra de emigração e o território está completamente desestruturado. Porque não trazer algumas famílias para cá e criar novas dinâmicas sociais e económicas?!... Muito bem pensado. Claro que a situação não se resolveria, mas seria um excelente contributo.
Esta criança bem poderia ter sobrevivido e, depois, ter tido direito a uma vida longa e digna. Não, não teve direito a nada, apenas a uma curta experiência traumática à qual não sobreviveu. E o terror supremo é olhar aquele pequeno corpo morto de 12 anos , que a força maior das correntes marítimas depositaram naquela praia e imaginar um dos meus filhos naquela circunstância. Muito triste.