19 novembro 2013

14 novembro 2013

instante urbano XXIV

Hoje pela primeira vez entrei na loja "A Vida Portuguesa" no Porto, sito na esquina da Rua das Carmelitas e da Rua Galeria de Paris, e confesso-me desiludido. Também não tinha qualquer tipo de expectativa a não ser o seu reconhecimento público, publicado e mediático. Pensei que poderia ser surpreendido com artigos esquecidos pelo tempo, mas daquilo que pude ver apenas uma ou outra marca me activou os sensores da memória. Para além de um interessante leque de produtos alimentares com tradição em Portugal e da famosa pasta medicinal Couto, tudo o resto são lugares-comuns vintage que poderemos encontrar em tantos outros locais - feiras, comércio tradicional, arraiais, etc. Toda essa parafernália espalhada por dois amplos pisos e com uma imponente escadaria interior de ligação. Um espaço bonito para muita pouca coisa. O que terá existido lá anteriormente? Foram preservados alguns pormenores muito interessantes dessa outra vivência.
Saí de lá com aquela sensação de que alguém, não por acaso ser quem é, criou um conceito e por incrível que me pareça, conseguiu vendê-lo.

13 novembro 2013

mediascape: empreendedorismo

"Estamos muito apostados em constituir uma forte rede mentores"

O Ministro da Economia, António Pires de Lima, defendeu ontem na Assembleia da República que os alunos do ensino obrigatório deveriam ter uma disciplina chamada "empreendedorismo", afirmando que os jovens desde cedo devem ter conhecimentos que lhes permitam vir a ser empreendedores no futuro e permita ao Estado criar uma rede futura de empreendedorismo. O Ministro adiantou ainda que está em contacto com o Ministério da Educação na elaboração desse projecto. Não percebo muito bem o alcance do projecto, mas naquilo que a minha inteligência pode alcançar, parece-me uma parvoíce. Então anda o Estado há tantos anos (décadas) a esvaziar a Escola de matérias, de disciplinas e de tempos horários de determinados campos do saber e agora vem um ministro tecnocrata e CEO de empresas, clubes, associações, tascos e arredores, defender a introdução dessa disciplina!? O que se pretende com esse "Empreendedorismo"? Os miúdos vão aprender o quê? Como se junta dinheiro? Como se especula no mercado? Como se constitui uma sociedade por quotas ou anónima? Como se consegue o lucro? Enfim, uma ideia difusa, quando se sabe que muitos desses miúdos vão para a escola com fome e sem condições mínimas para conseguirem sucesso escolar. Querem transformar os miúdos de hoje, homens de amanhã sem conteúdo, sem conhecimentos abstractos, sem cultura, sem formação e unicamente interessados no dinheiro, no lucro e na especulação. Depois do impulso jovem, agora o empreendedorismo jovem, como se fosse possível transformar todas as crianças e jovens em empreendedores, em empresários, em mentores de grandes e lucrativos negócios. Não acredito, não vai acontecer, nem quero isso para as gerações que aí virão. Gostava sim que tivessem a liberdade de aprender aquilo que gostam, aquilo para o qual sentem vocação. Gostaria que a escola pública oferecesse conteúdos curriculares diversificados e com qualidade. Gostaria que os nossos filhos pudessem, caso assim entendessem, conhecer o Latim, o Grego, a Filosofia, o Direito, a Sociologia, a Antropologia. A condição de cidadão não se resume ao benefício da economia.

04 novembro 2013

ler

souto do vale

Num lugar inclinado e encosta de monte, perdido no meio de vegetação selvagem que vai vingando, encontra-se um pedaço de terra que nos calhou nas partilhas daqueles que nos antecederam. Terra fértil mas mal tratada, sem grande atenção ou cuidado, vai sendo mantida única e exclusivamente para dar chão aos portentosos castanheiros que ali habitam. É o pai que, por enquanto, se responsabiliza por tratar desse chão - entre outras tarefas, roçar silvas, mandar lavrar, enxertar as árvores, podá-las. Mas chega esta altura do ano, a dos santos todos e dos mortos, e lá vamos todos, ou quase todos, visitar essa terra e roubar-lhe as saborosas castanhas que lá crescem. Um dia ou dois de apanha, tarefa ingrata e cansativa para os adultos, mas momento de aventura e descoberta para as crianças, e lá regressamos nós à cidade derreados pelo peso do "ouro" transmontano.
Souto é um conjunto de castanheiros, Vale é nome de família local. Souto do Vale é topónimo do termo da aldeia. Pena é que nem todos os castanheiros aí existentes sejam do Vale.

banalização do mal

A banalização do mal é a ideia central do pensamento de Hannah Arendt, filósofa alemã e judia que, fugindo do nazismo, se radicou nos EUA. Proeminente pensadora do século XX, discípula de Martin Heidegger, foi enviada pelo The New Yorker a Israel para cobrir o julgamento de Adolf Eichmann, dirigente nazi que fugira para a Argentina e que os serviços secretos de Israel encontraram. Durante esse julgamento Hannah Arendt percebe como esse destacado membro do aparelho nazi não passava de um "ignorante" que não fazia mais do que obedecer a ordens e a leís. É partir desse momento que ela desenvolve o conceito da banalização do mal e o apresenta nos cinco artigos que escreve no jornal. Com isso e com a denuncia de que alguns membros das comunidades judaicas teriam sido coniventes com os nazis, a filósofa consegue provocar uma tempestade à sua volta e a indignação dos judeus. É esse período histórico e esse episódio em particular que podemos ver retratados no filme agora em cartaz. Muito interessante. Um filme que aconselho, numa sala vazia perto de si...