29 abril 2010

instantes urbanos XI

Tendo que ir à Biblioteca Municipal do Porto, ali junto ao Jardim de Marques de Oliveira, mais (re)conhecido por S. Lázaro, consegui estacionar o carro mesmo junto ao edifício da biblioteca na Avenida de Rodrigues de Freitas, peguei na carteira e fui à máquina retirar ticket de estacionamento. Reparei que mesmo antes de sair do carro, uma fulana passa no passeio e fica declaradamente a olhar para mim. Segue mais um pouco no passeio e senta-se numa escadaria do edifício da biblioteca, continuando a olhar para mim. Como não a conhecia, ignorei-a, passei por ela e fui buscar o ticket. Quando regresso ao carro, está ela no meio do passeio com um provocatório sorriso, a olhar para mim. Pensei mesmo que iria meter conversa comigo, mas enganei-me, passei ao seu lado, pûs o papelzito no carro e lá fui à minha vida. Passadas duas boas horas de leituras e consultas bibliográficas, saí do edifício e regresso ao carro. Ao contornar a esquina da Rua de D. João IV com a Avenida de Rodrigues de Freitas, uma outra senhora que eu diria na casa dos 50 anos, ao ver-me passar, acompanha-me com o olhar e, a uma certa distância, diz:
- O senhor quer ir dar uma volta comigo até ali à pensão?
Sem suspender o meu andamento, olhei para ela e respondi-lhe: - Não, muito obrigado. Desviei o olhar e segui o meu trajecto. Para trás a deixei, mas ainda pude ouvir o comentário: - É pena... paciência.
Já no carro e a caminho do meu próximo destino (magnífica Ribeira do Porto), não pude deixar de pensar naqueles instantes... Sei há muito tempo que aqueles quarteirões entre o Jardim de S. Lázaro, o Largo do Padrão e a Rua Coelho Neto são pontos de venda de sexo, já muito por ali passei de um lado para o outro, mas nunca fui de tal forma abordado, o que me levou a conclusão de que tal atitude, invertida e agressiva, não será mais do que o reflexo da crise que se faz sentir, inclusivé no ramo do sexo.

23 abril 2010

via sms

eu quero te tanto, tanto mais do que eu sei dizer. mil vezes mais do que eu sei dizer.

dia 23 de Abril e o pretexto para ir buscar e ler este livro com uma capa horrível

Eu já sabia que mais tarde ou mais cedo ia comprar este livro. Seria apenas uma questão de tempo. Ainda antes de o ter pago já lera mais de metade e mal cheguei aqui, acabei de o ler. Estou aqui a escrever e a pensar como gosto da escrita de Manuel Alegre, clara e simples, quase sempre autobiográfica. Cento e qualquer coisa páginas de bom português que, em vários momentos, me fizeram arrepiar os sentidos, pois fala-nos da "vida de tantas vidas na tão curta vida". E andam para aí alguns armados em "escritores", cujas medidas são os quilos de papel vendido, ou cujos critérios de qualidade são as centenas, quando não milhares, de páginas impressas.
Desculpem a confusão, até porque, normalmente, não gosto de misturar águas, mas é também por isto que gostava de ver em Belem alguém que não seja tecnocrata, economista ou gestor, mas sim um humanista, desformatado e com memória, cujo discurso e prática se reveja na vida pequena das pessoas. Assim é este Miúdo que pregava pregos numa tábua.

"Ou como a própria Sophia num café em Porto Covo, os dedos da mão direita dedilhando enquanto a esquerda segurava o cigarro, nessa tarde em que ela queria seguir para Lisboa por uma estrada junto ao mar, ainda hoje sinto remorso de lhe dizer que não havia estrada nenhuma, ela insistia que sim, havia uma estrada no poema que ela estava a dedilhar e não devíamos ter hesitado, devíamos ter ido com ela por essa estrada fora." (2010:69)

22 abril 2010

segurança

Reparo, como nunca antes o fizera, e observo atenta e demoradamente o segurança deste espaço comercial. É verdade que, de tão habituados que estamos a vê-los por todo o lado, já nem reparamos na sua presença. É algo que faz já parte do moderno "mobiliário" citadino. Este que aqui está à minha frente, presumo, terá por missão ou responsabilidade controlar a entrada e saída de clientes e seus objectos. Por isso, está posicionado entre a porta exterior e os sensores do alarme, por onde tudo e todos são obrigados a passar. A cada acender da luz e soar do alarme, lá está ele em acção, solicitando a revista aos sacos, carteiras ou objectos passíveis de terem sido os provocadores de tal alarido.
Vestido a rigor, quer isto dizer, com a farda da empresa de segurança privada que lhe paga o vencimento, devidamente identificado com um crachá ao peito e equipado com um rádio comunicador, que tráz preso por um clip, no fundo das costas, ao cinto e um auricular, por onde de vez enquando comunica com alguém. Durante longos períodos de tempo mantém-se imóvel, libertando apenas o olhar para acompanhar todos quantos passam pela sua área de "influência".
Se atento, nesta sua posição estática, percebo-lhe alguns tiques nervosos, depois vai alternando a postura das mãos que, ora estão cruzadas atrás do corpo, ora viajam para a frente e vão-se encontrar num entrelaçar de dedos. Muito de vez enquando dá uns passos, como que para acordar o corpo e seus músculos. Percebo, igualmente, a sua calma mas atenta atitude perante qualquer movimento. Enquanto o observo ele vai olhando para mim, jamais imaginando que sobre ele escrevo.
Ser segurança é isto. Estar assim ali, praticamente quieto o tempo todo, todo o tempo do seu turno diário, garantindo assim a segurança e bem estar de todos que aqui se encontram. Tarefa ingrata e sem reconhecimento, digo eu... Sem querer ser injusto ou depreciativo, pergunto-me como conseguem estar assim durante tantos minutos, tantas horas, tantos turnos, tantos dias? Tantos dias, tantas semanas e meses, depois anos até à sua reforma ou pré? Só pode ser terrivelmente entediante e cansativo. Por outro lado, propício para a introspecção e divagação... às tantas, só aqui estão em corpo presente... a sua mente estará algures... Para seu próprio bem e saúde, espero que, com todo este tempo disponível, consigam exercitar-se mentalmente, viajando e divagando. O que lhe passará pela cabeça? O que pensará ele daqueles que por ele passam e ele olha? O que pensará ele quando olha para mim?
Ser segurança é isto. Retórico termino, perguntando: Quem quer ser segurança? Quem tem que.

17 abril 2010

paragens outras

16 abril 2010

12 abril 2010

na cabeceira II

Já tinha lido uma referência (posítiva) a este trabalho do geográfo Álvaro Domingues no último número da revista LER. No passado Sábado, tive o prazer e o privilégio de o ouvir apresentar esse mesmo trabalho e, no final dessa apresentação, pude conversar um pouco com ele. Ontem, enquanto aguardava a hora do comboio chegar, aproveitei para procurar "A Rua da Estrada" nas livrarias da capital. Muito interessante a viagem que este professor nos convida a fazer pelas "ruas" das "estradas" do nosso país urbano, mostrando-nos a dimensão da desorganização, desordenação e da desestruturação do país, que todos os dias percorremos e no qual vivemos... "é como um híbrido com a sua identidade cruzada e manipulada, ou ainda pior, como um transgénico que incomoda pelo simples facto de transgredir aquilo que o originou, no limite, a obra do próprio Criador." (o autor)
Muito bem escrito, perspicaz e humorístico, com uma excelente e oportuna fotografia. Bem construído. Aconselho vivamente a leitura, pois irão reconhecer-se. Resta para esta última linha um desabafo: como nunca ninguém fez isto antes? Exercício que eu, tu ou ele poderíamos ter conseguido...

10 abril 2010

pesquisas, leituras, descobertas, surpresas, raridades e constatações

É neste mágnifico edifício, com traça e perfil à Estado Novo, que está instalada a Biblioteca Nacional. Foi aqui que passei todo o dia de ontem, 6ª feira, dia 9 de Abril. Nunca antes sentira a necessidade de descer à Capital para fazer pesquisa bibliográfica e/ou documental, mas desta vez, dada a escassez de informação disponível, lá teve que ser. E bem, pois foi um dia muito bem passado e proveitoso. Inicialmente, custou-me a perceber os procedimentos de funcionamento (entrada, pesquisa, inscrição, requisição, etc.) mas logo depois, percebendo a lógica, tornou-se simples. Assim, dei entrada cerca das 9:30 e por lá fiquei até às 19 horas, com intervalos apenas para ir à casa-de-banho e para ir ao bar da instituição enganar o estômago com uma sande.
O primeiro momento de pesquisa é muito interessante pois basta colocar as palavras-chave ou assunto e logo nos surge um resultado de pesquisa com todos os documentos relacionados, o que nalguns casos é uma lista impressionante, em quantidade mas também em qualidade. Desde logo, depois de pesquisar os assuntos que ali me levaram, soube que o dia de ontem seria pouco para tamanha leitura e consulta. Depois da pesquisa e da requisição, mesmo antes de me dirigir para a sala de leitura (que impressiona pelas dimensões), lembrei-me de pesquisar pelo meu nome, o que logo resultou em dois registos e uma referência ao meu nome como: "Vale, Luís (1973- )"... Bem, pelo menos não sabem em que ano irei falecer. Já não é mau.
Foram muitas horas de leitura, de obras e textos que iam sendo trazidas até mim, à medida que ia requisitando, em carrinhos conduzidos por simpáticas colaboradoras. Mesmo ao lado da sala de leitura, uma sala de fotocópias, disponível para qualquer tipo de reprodução que, apesar de um preço pouco convidativo, é preciosa para ganhar tempo para a leitura. Como aspectos menos positivos apenas referir que não paravam de passar aviões a uma altura impressionantemente baixa e cujo ruído, a cada 3 minutos, me desconcentravam da leitura, como que a cada momento estivesse à espera do embate final... Também, muito mau, foi o facto de não conseguir aceder à internet durante todo o dia, pois não havia rede suficiente.
Certo é que só da pesquisa que ontem fiz e não tive tempo de consultar, terei que lá voltar mais vezes, provavelmente, muitas vezes. Não faz mal.

03 abril 2010

páscoa

Olhando à minha volta, por este dias, tenho-me apercebido de algo diferente no comportamento das pessoas. Tenho a sensação estranha de que algo maior, poderoso ou forte está a trabalhar arduamente num novo conceito de Páscoa. Não me lembro de haver - ver, ouvir e sentir, determinados referentes a esta época, para alguns, festiva em anos passados. Não será um fenómeno iniciado este ano, nem tão pouco original, mas nota-se que tem havido investimento sério no sentido pedagógico, ou mesmo ideológico visando mercantilizar a celebração desta festa primordial e exclusivamente religiosa. Temo que estaremos a viver a génese de um qualquer fenómeno que nos levará a uma "natalização" ou a uma "painatalização" da Páscoa, onde o consumo, a dádiva e o aparato da parafernália das marcas, dos sacos e dos laçarotes, nos serão impostos, sem que haja um minimo de reflexividade individual ou colectiva. É que onde quer que tenha ido nestes últimos dias, tenho sido presenteado com os votos de uma "boa" e/ou "santa" Páscoa... as páginas das redes sociais têm sido invadidas com votos e desejos do mesmo quilate... os telemóveis já vibram e tocam com motivos/temas alusivos e carinhosas mensagem que nos obrigam à respectiva retribuição... as crianças recebem aparatosos embrulhos com sortidas guloseimas e, para cúmulo, já se vêem por aí alguns petizes questionando, quando não obrigando, seus progenitores pelos presentes da Páscoa...
Poderíamos até estar perante um qualquer processo evolutivo de patrimonialização ou até mesmo de destradicionalização da ritualização da Páscoa. Mas não. O último e único propósito destas novas narrativas construidas por essas forças obscuras é, será o seu próprio e monstruoso lucro. Estou consciente disso e, por isso, em nada pretendo contribuir para essa "paróquia" esquizofrénica. Guardo recordações bonitas destes dias passados, em reunião familiar e afins que, mesmo sabendo não os poder voltar a experimentar, relembro quando me deparo com o actual aparato adocicado. Atenção aos próximos desenvolvimentos.

02 abril 2010

número noventa


Um bom número da revista Ler, que me ocupou um bom par de horas de leitura em final de noite. Logo a abrir, no editorial de Francisco José Viegas, fiquei a saber que a revista "Os Meus Livros" acabou, o que não deixa de ser uma triste notícia. Depois, destaco o excelente artigo de Pedro Mexia acerca de Pedro Passos Coelho e o seu livro "Mudar", no qual Pedro Mexia desconstrói a figura e o discurso do agora presidente do PSD... "De facto, o jovem político de 46 anos faz um longo relatório sobre a pátria, do feudalismo à EFTA, mas com que propósito? «Não é a erudição que me interessa neste texto», avisa, como dizendo que a tem mas não nos quer maçar. Em vez de uma mescla de Mattoso com José Gil, temos por isso um artigo de Wikipedia sobre Portugal. Não aquenta nem arrefenta. Talvez seja isso o 'passismo'. Passa-se bem sem ele."
Outro bom texto é o da responsabilidade de Paulo Ferreira (Booktailoring) acerca da polémica destruição de livros não comerciáveis que a LeYa promoveu, relembrando que essa destruição de livros é uma prática recorrente nas editoras que não podem armazenar eternamente todos os títulos que editam, tanto mais que hoje os livros têm aquilo que se chama "prazo de validade de iogurte".
Depois, o desabafo de José Mario Silva acerca da dificuldade que sente, enquanto moderador de mesas-redondas ou apresentações de livros, sempre que chega o momento do público intervir, pois a heterogeneidade de "perguntadores" assusta-o, principalmente, "aqueles que se apropriam do microfone sem intenções de o largar, pelo menos até começar o "Fórum TSF" onde devem ter lugar cativo, seja qual for o assunto em discussão."
Ainda o excelente texto de Filipe Nunes Vicente que partindo das visões de Pascal e de Freud acerca da relação do Homem com o divertimento, nos leva de diversão em diversão até à miséria... "as grandes diversões, paulatinamente, assumem o papel anteriormente exercido pelos narcóticos: tornam-nos indiferentes às limitações da vida".
Rogério Casanova traz-nos um Manual de Escrita Criativa que começa com a questão: "Poderá qualquer pessoa escrever criativamente?". Divertidamente diz: "Felizmente para vocês, com o aconselhamento adequado e com alguma disciplina, é possivel transformar a mediocridade em competência".
Por fim, a entrevista de Carlos Vaz Marques a Manuel Alegre, de quem gosto, também, por ser um lírico.