31 março 2010

ovo da república

27 março 2010

25 março 2010

desassossego

Diziam dela que era a mais bonita, a mais esplendorosa de toda a região. Detentora de uma considerável legião de fiéis e devotos, tinha as suas graças e, por isso, fazia inveja, inclusivé, às demais entidades divinas. O seu povo era zeloso e preocupado com o seu bem-estar. A devoção obrigava-os a redrobada dedicação e a cuidada festividade em sua honra. Um dia terá sido convidada para ir festejar com uma irmã que habitava bem perto da raia espanhola. Devidamente engalanada e ricamente decorada levou consigo parte da sua gente. Mal chegou, no alto do seu andor, sua beleza atraiu todas as atenções e não demorou muito até terem começado a namorá-la, de tal forma que foi a custo que os seus fiéis conseguiram evitar que a levassem para Espanha. Dizem uns que a queriam roubar, dizem outros que a queriam raptar. A verdade é que foi tamanho o alvoroço e a confusão que só sossegaram quando regressaram à sua aldeia. Foi então tempo de lhe prometer que nunca mais a levariam dali.

lenço

Habituara-me a vê-la assim, quieta nos modos e simpática no atendimento, atrás do balcão. Sempre com um lenço na cabeça que apenas lhe deixava a descoberto um rosto redondo, que trazia consigo o estigma sofredor de uma qualquer doença. Sempre que lá fui, as muitas vezes, enquanto aguardava a minha vez, olhava-a tentando perceber qualquer sinal de sofrimento, tentanto alcançar tamanhas dores de horas, dias, meses ou anos. Num destes dias regressei lá e foi com surpresa primeiro e depois com satisfação que a reconheci no mesmo lugar de sempre, sem lenço e apresentando ao mundo um curto mas vigoroso cabelo preto. Assim se desvaneceu a condenação e, às tantas, quando lhe descobri um ligeiro sorriso, percebi a vida nova que ali estava. Que bom.

23 março 2010

destes e de outros tantinhos dias

  • Lipovetsky, Gilles e Serroy, Jean, 2010, A Cultura-Mundo: resposta a uma sociedade desorientada, Lisboa, Edições 70;
  • Fernandes, Armando (texto) e Ferreira, Maria José (desenhos), 2010, O meu nome é Bragança, Bragança, Edição da Câmara Municipal de Bragança - oferta;
  • Vasconcelos, José Leite de, 2007, Etnografia Portuguesa - volume X, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda;
  • Fortuna, Carlos e Santos Silva, Augusto (orgs.), 2002, Projecto e Circunstância - culturas urbanas em Portugal, Porto, Edições Afrontamento;

21 março 2010

17 março 2010

velocidades

Quando das primeiras experiências ao volante e quando aprendi a conduzir, os automóveis ainda só tinham 4 velocidades (mais a marcha-atrás) e foi com essa mecânica que fiz a minha aprendizagem enquanto cidadão encartado e devidamente autorizado para conduzir e, muitas vezes, inconsciente dos reais perigos, meter-me em confusões e aventuras. A velha R12 lá de casa foi um excelente carro de ensaios. Depois, lá veio a estonteante novidade da mecânica automóvel que acabou com décadas e décadas de hábito a 4 e passámos a ter disponíveis automóveis equipados com caixa de 5 velocidades. Concerteza, alguns desgraçaram as suas vidas com essa inovação mecânica e tantos outros, que não a conseguiram compreender, ainda hoje conduzem os seus automóveis só tendo em conta essas 4 velocidades. Eu conheço alguns.... Mais recentemente apareceram os carros com caixa de 6 velocidades. Eu tenho um. Estou completamente ambientado e habituado a engrenar qualquer uma dessas velocidades. De tal forma que, não raras vezes, dou comigo a querer passar de 6ª para 7ª velocidade. Asneira. Ainda não tenho. Intuitivamente faz-me falta. Vejam lá se tratam disso.

16 março 2010

a minha regionalização

(imagem roubada do blogue Regionalização)

novas paisagens rurais

A desestruturação do território nacional evidenciada pelos estudos realizados, permite perceber o “vazio” a que o território não urbano está sujeito. Este artigo é um olhar sobre esse vasto território desestruturado e carente de investimento, no sentido de analisar e perceber as novas dinâmicas, os novos agenciamentos das novas paisagens rurais. Os diferentes mundos rurais. Tipologias emergentes, intervenientes e processos locais de translocalização e transnacionalização verificáveis na costa oeste da Europa.

Este é o resumo do meu contributo para o projecto editorial da Burkeley University "Globalization and Metropolization: new developments in Europe's West Coast". Tendo prazos para cumprir - e hoje era um desses prazos intermédios, tenho conseguido dar resposta, ainda que a custo e à custa de maratonas noturnas que me vão afastando do sono. Agora, descansar, depois regressar para finalizar texto até ao final do mês de Março.

11 março 2010

queda de viadutos e afins

A palavra queda tem associada uma carga negativa muito expressiva e, se calhar, por isso somos educados a evitar perigos e vivemos num ambiente que tende a afastar essa perigosidade. Contudo, não conseguimos arredar da nossa experiência de vida esse perigo latente. A palavra queda significará esse perigo eminente, que espreita a cada esquina e a cada passo que damos - do puto que esfola o joelho, ao jovem que cai da bicicleta e parte a cabeça, ao adulto que é vitima da incúria e da irresponsabilidade de terceiros nas estradas, ao idoso que simplesmente cai e se desmancha. É inevitável. Queda significa dor, perigo, doença, ferimento, morte. Algo do qual todos e cada um de nós foge o mais que pode...
Num incidente como aquele que aconteceu ontem, em Amarante, não sei como se pode evitar o perigo.
O infeliz azarado que ficou esmagado debaixo daquele monte de ferros retorcidos, muito provavelmente nem teve tempo de perceber o que lhe estava a acontecer. Foi, de facto, uma morte aleatória e é precisamente esse factor (sorte/azar) que me perturba neste momento. Por acaso foi ele, mas poderia ter sido qualquer outra pessoa, poderia até ter sido eu, que por lá passei uns cinco minutos antes do trágico incidente. Poderia ter sido eu. Não fui.

10 março 2010

espelhos


mais à frente...

08 março 2010

oxalá te veja

espelhos

02 março 2010

recontagens

Aqui há tempos soube da morte do Tio Laurindo, mais recentemente foi a vez do velhinho Tio Firmino morrer. Chega-me agora a notícia que o Tio Norberto está mal de saúde. Está muito doente. Internado no hospital (que um dia foi distrital) vai recebendo a visita daqueles que ainda podem lá ir. Estes dizem que faz dias que ele nada come e que perdeu já para cima de trinta quilos. Consciente e sem dores perceberá que o mal que padece lhe leva, rapidamente, a vida.
Sou assim levado para esta contabilidade triste de ter que dizer que ainda somos tantos. E digo "somos" com a propriedade de quem se inclui, de quem também se considera, de quem também quer fazer parte. A própria utilização do termo "Tio" trá-los para perto, bem perto de mim. É reveladora de uma proximidade tão típica das cortinhas e das águeiras dos lugares pequenos, por onde todos andámos. Circunscritas permitem reconhecermo-nos. Muitas vezes recordo um outro Tio, velho amigo entretanto falecido, que muitas vezes comentava, para quem o queria ouvir, que se lembrava de mais pessoas já falecidas do que aquelas que conhecia ainda vivas.
Também eu começo a olhar em meu redor e apercebo-me que à medida que o tempo passa, que o meu tempo se vai gastando, com ele o meu passado vai ganhando espaço e a memória importância. Não sei como estará o meu saldo nesse deve e haver das pessoas conhecidas. Nem me importa. Vou-me lembrando delas. Sei é que gosto muito de estar com elas.