28 novembro 2009

Siza Vieira e oito milhões de euros





reunião de trabalho a jantar com amigos

Estava agendado há algum tempo, exclusivamente, para discutir pormenores de projecto que se pretende terminar até o mês de Agosto do próximo ano.
O local para o encontro foi o mesmo de encontros anteriores. Em Gimonde e numa mesa redonda éramos cinco pessoas. Supostamente trabalharíamos o formato e o acabamento da edição a preparar para essa data, mas a conversa começou por ser sobre tudo e mais alguma coisa menos aquilo que (me) interessava. Enquanto o bacalhau do chefe Ruca era degustado, aprendi alguma coisa do muito que eles sabem acerca de cogumelos. Impressionante tudo que estes amigos conhecem acerca do mundo dos cogumelos – qualidades, formatos, características, cores, locais, tamanhos, melhor forma de os colher, congelar, consumir, preços, e mais e mais. Eu, para não ficar completamente deslocado, depois de fazer a devida declaração de interesses, na qual afirmei que cogumelos só os enlatados, lá fui colocando uma ou outra questão, mostrando interesse pela conversa, que tanto os entusiasmava. Não será preciso dizer que nada retive e que, neste momento, sei o mesmo que sempre soube, nada.
Depois disto e já depois da refeição, passámos aos cafés e digestivos e então lá começamos a falar acerca daquilo que estava na agenda de trabalhos. A partir deste momento pedi autorização para gravar a conversa e com os seus consentimentos coloquei o gravador no centro da mesa. Fomos falando sobre vários aspectos mas sempre tendo como pano de fundo o culto e a festa da comunidade dos quatro indivíduos. A qualidade do registo sonoro, ainda não verifiquei, mas logo fiquei com a sensação que bom material estaria a ser recolhido - pormenores muito interessantes e importantes para a investigação foram revelados e discutidos.
Noite dentro e já sozinhos no restaurante, depois de mais de duas horas de conversa, alguém se lembrou que os donos do restaurante só estavam à espera da nossa saída para fechar.
Entretanto, enquanto o whisky abundava nos copos e a boa disposição se sentia, um dos rapazes ao falar da sua experiência e relação pessoal com a santa padroeira, não evitou as lágrimas. O que só veio reforçar a ideia que já tinha: a forte e sentida relação entre os indivíduos desta comunidade e sua santa padroeira. Impressionante.
Quando saí, a certeza de que este projecto vai ser um sucesso e terá os apoios necessários.

24 novembro 2009

a propósito de paixão

O apaixonado prefere o presente imediato, sem olhar ao futuro, ou recorda o passado com satisfação, na esperança de o tornar presente. Ambiciona um presente contínuo que torne perpétua a sua satisfação. E pelos vistos desde sempre assim terá sido: Rezam os anais da história que:
Para os hedonistas toda a paixão é boa. Os românticos comprazem-se em exaltar o seu valor emocional e energético e em glorificar todos os instintos. Para os estóicos a paixão é uma doença da alma e uma monstruosidade oposta à razão. Os epicuristas vêem nela o contrário à serenidade. Kant considera-a uma rebelião das tendências contra a autoridade soberana da razão. Para S. Tomás, considerada em si mesmo, a paixão não é boa nem é má.
Como remédios curativos ou paliativos para as paixões são apontados: remédios preventivos - viagens, estudo, divertimentos, novas actividades; remédios repressivos - imaginação, vontade, temperamento, ambientes, sublimação; depois disto, e caso não resulte: flagelação física e psíquica - chicotes, dildos, lubrificantes, bonecas, ceras derretidas, grampos, enfim, a parafernália possível...

20 novembro 2009

leitura de clássicos dá nisto... não paramos de encontrar contemporaneidades

"Acabou para nós a ficção: calculamos; mas para que pudéssemos calcular, tivemos de fazer ficção primeiro" - Nietzsche

"Que necessidade é esta que organiza e guia a experiência humana e a escuda contra os terrores do Caos?"
"De onde veio o impulso que levantou os frios, imóveis e estéreis rochedos da lógica?"
"As ondas murmuram o seu murmúrio eterno,
O vento sopra, correm as nuvens,
As estrelas cintilam indiferentes e frias,
E um louco aguarda a sua resposta."
"E um homem sensato? - Este retomando o seu trabalho na vida, o turbilhão das ficções de hoje, que podem ser a realidade de amanhã, lança um último olhar aos cumes distantes, atrás dos quais se perde a origem do pensamento, e repete as palavras do mestre:
Ainda que a fonte seja obscura, o rio continua a correr. (Poincaré)" - Tobias Dantzig

"A dúvida é a pedra-de-toque da verdade, o ácido que dissolve os erros. Por isso, ser-nos-á necessário torná-la tão forte quanto possivel e duvidar de tudo sempre que possível. só então teremos a certeza de apenas conservar o ouro puro da verdade" - A. Koyré

"O tempo é feito de uma sucessão de instantes em que cada um é uma espécie de nada de duração. Não tem qualquer força nem realidade própria. Não possui em si qualquer princípio de continuidade." - Descartes

"Afinal quem sonha: o mundo, os poetas, ou ele próprio." - Dadognet

"No universo existem duas realidades: a que tem uma forma imutável, que de nenhuma maneira nasce nem perece, que jamais admite elementos vindo de outra parte, que nunca se transforma noutra coisa, que não é perceptível nem pela vista, nem por outro sentido; e outra que tem o mesmo nome, é semelhante à primeira, mas é acessivel à experiência dos sentidos, é engendrada, está sempre em movimento, nasce num lugar determinado para em seguida desaparecer; é acessível à opinião unida à sensação." - Platão

18 novembro 2009

instantes urbanos IX

Sons enamorados na Invicta, de uma tarde em que venceram os beijos e abraços

Ele diz: Gostaste?
Ela diz: Gostei muito de ter estado contigo. Amei ter passeado contigo na baixa. Amei estar na passadeira contigo, amei encostar-me a ti nas escadas. Gostei de te ter beijado.
Ele diz: Eu também. Muito.
Ela diz: Gosto demasiado de ti para conseguir ficar indiferente às outras mulheres que te querem.
Ele diz: Sabes o que me irrita nesta merda?
Ela diz: Não é preciso ficares assim…
Ele diz: Eu podia ter inventado mil desculpas mas disse-te a verdade.
- (silêncio) -
Ela diz: O que é relevante para ti?
Ele diz: Acordar e não sentir a tua falta...perder vontade de te beijar... deixar que alguém ocupe o teu espaço...
Ela diz: Gosto de ti. Tu não existes…
Ele diz: Neste momento nenhuma mulher se atravessa no teu caminho; não deixo…
Ela diz: Eu sei.
Ele diz: …e não quero!
- (silêncio) -
Ele diz: Eu já falei de ti, todo o meu mundo sabe que existes.
Ela diz: Amo-te. Adeus.

No preciso momento em que se cruzam, despedem-se trocando os olhares e desligam os telefones.

doutada

" Exma. D. AAAA

No atinente à solicitação efectuada compete-nos informar a especificidade da situação em causa, isto é, neste momento o funcionário WWWW está sob orientação de estágio - regulado então por essa situação.

Em anexo, remetemos a documentação requestada.

Sem mais de momento, subscrevemo-nos com a mais elevada estima e consideração.

Atentamente,

XXXXX  "

16 novembro 2009

hábito de ti

um conhecimento de ti,
com todo o sentido.
um impulso para ti,
forte e continuado.
um louco por ti,
consciente mas tropeço.
um saber para ti,
bom ou mau hábito.
desejo de ti,
num hábito interior.
nada em ti,
desmente o amor.
tudo em mim,
hábito de afectos.

(de exercícios poetéticos)

às vezes sim

Algumas pessoas devoram os alimentos, em vez de os comerem. Comportam-se como se fossem ladrões a comer vorazmente a presa, ou prestes a serem levados para a cadeia. Metem as mãos nos pratos, mal se acabam de sentar, e enchem de tal maneira a boca que as bochechas lhes incham como foles. Comem e bebem sem fazerem qualquer pausa, não por terem fome ou sede, mas porque não conseguem controlar os seus movimentos de outra maneira. Coçam a cabeça, brincam com uma faca, são incapazes de se absterem de tossir, resfolegar e cuspir. Erasmo

às vezes não

Todos os que sabem escrever com proficiência sabem tão bem como dar forma a cada letra, e conhecem tão bem cada palavra a escrever, que deixaram de ter consciência desse conhecimento, ou de reparar nesses actos específicos de vontade. A escrita é um exercício habitual de inteligência. Paul Connerton

15 novembro 2009

mais cromos...

Dos últimos dias:
- Lourenço, Eduardo, 2005, Heterodoxia I, Lisboa, Gradiva;
- Lourenço, Eduardo, 2006, Heterodixia II, Lisboa, Gradiva;
- Silva, Luís, 2009, Casas no Campo - etnografia do turismo rural em Portugal, Lisboa, ICS;
- Almeida, Onésimo T, 2009,  De Marx a Darwin - a desconfiança das ideologias, Lisboa, Gradiva;
- Baudelaire, Balzac, D'Aurevilly, 2009, Manual do dândi - a vida com estilo, Belo Horizonte, Autêntica Editora;

desconfiar das ideologias



Conheci o autor, Onésimo Teotónio Almeida, através das (dia)crónicas que mensalmente assina na revista Ler. Pouco ou nada sabia dele, a não ser que está radicado nos EUA onde dá aulas, numa qualquer universidade. Precisamente, na revista Ler deste mês de Novembro, Francisco José Viegas no "Diário de Ocasião" faz a apresentação deste livro e do autor, dizendo: "o que mais me surpreendeu foi a diferença do método, comparado com o pobre debate universitário em Portugal; depois, o ritmo de trabalho e a qualidade da discussão, longe de lugares-comuns e de opiniões banais".
Comprei e rapidamente o li. Aliás, uma das últimas leituras que fiz. De fácil leitura, opta por uma escrita pedagógica, conseguindo percorrer a história das ciências modernas. Do próprio autor ficam as palavras:
"De repente Darwin faz anos, e Portugal, descobrindo-se modernaço e europeu, põe-se em bicos de pés a celebrá-lo com entusiasmo, esquecido já do avozinho Marx a quem ainda há pouco beijava ternamente. (Neo) darwinistas explicam-lhe o comportamento humano, pois a ciência justifica agora a nossa animalidade, visto verdade e ciência serem, na sua percepção, irmãs gémeas, ou sinónimas, para usarmos mais rigorosa linguagem."

13 novembro 2009

a minha dislexia

Num qualquer dicionário de bolso, de ensino primário, ou semelhante: s.f. (med.) perturbação patológica caracterizada por dificuldades na leitura (erros, lacunas, distorções) e na compreensão das palavras.
Vem isto a propósito da minha recorrente dificuldade em responder a determinadas questões. Nas situações mais irrelevantes do dia-a-dia, quando em contacto com "outros" e/ou quando confrontado com alguma questão inesperada, a probabilidade de dizer asneira é enorme. E não raras vezes, ainda estou a pronunciar as últimas sílabas de um qualquer dislate e já o meu cérebro está a processar a censura a si próprio. Serei a personificação dos alhos com bugalhos.

10 novembro 2009

por um beijo mais

Numa noite de Inverno, escura e fria, de há muitos anos atrás. Nem o álcool nem o aconchego da taberna evitavam a saudade, que ainda mal teria começado. Era a última das muitas noites passadas nesse lugar. Na manhã seguinte haveria hora marcada para o regresso à cidade. As voltas e os vícios consumiram todos os escudos e, nos bolsos, pouco mais restaria do que o valor para um bilhete de camioneta, mas num impulso irreflectido e não premeditado, embalado pelas dinâmicas etílicas, procura um táxi que, naquele lugar e naquele final de noite, jamais existiria.
- Eu vou lá. Eu vou lá.
Algum tempo depois e depois de muitas voltas, encontra um taxista encostado numa outra taberna. Cansado de beber, não se mostra interessado em fazer tal serviço. Depois de muita insistência lá acabam por viajar em direcção à vila vizinha, por estrada de montanha e com má sinalização, o que provocou náuseas até ao próprio motorista. Obcecado com o seu propósito, nem se apercebe da aventura e do dinheiro que não tem. Depois de uma hora de viagem, as luzes da urbe fazem-se sentir e, num ápice estão no destino. Sem delongas, a ordem ao taxista é para aguardar dez minutos.
Um toque de campainha, uma voz grave que se ouve do outro lado, um porquê, um silêncio, uma luz que se acende, uma porta que se abre, uma surpresa, um sorriso… do tamanho do seu mundo.
Foi, apenas por mais um beijo.

oferta de hoje. bonita.


05 novembro 2009

instantes urbanos VIII

(na recepção de um hospital privado e enquanto eu e mais 524 pessoas éramos atendidas. A determinado momento, ao meu lado esquerdo e bem perto, é a vez de uma senhora, que pela aparência arriscaria dizer que teria cerca de 50 anos, ser atendida. A conversa foi mais ou menos a que se segue.)

- Bom dia, em que posso ajudá-la?
- Queria marcar estes exames (entrega-lhe a prescrição médica), mas tenho urgência nos resultados.
- Muito bem, vamos ver. (a meninda do atendimento, simpática e gira, passa a olhar para o monitor do pc) - A senhora quer fazer os exames hoje?
- Hoje, agora?..
- Sim... Já comeu alguma coisa hoje?
- Já.
- Então não pode ser hoje. Deixe-me ver outra data. Na 4ª feira pode ser?
- 4ª feira... não posso. É dia de feira.
- E na próxima 6ª feira, dia 13?
- 6ª feira dia 13!?.. isso não menina. Eu não vou fazer exames num dia desses. Sabe menina, são as superstições...
- Então... e dia 16, 2ª feira, às 11:30 horas?
- 11:30!.. não pode ser mais cedo?.. é que estar sem comer até essa hora não é fácil...
- Assim deixa de ser urgência, mas deixe ver...
- Pois é menina, veja lá o que pode fazer...
- E no dia 20, 6ª feira, às 8 horas?
- Mas eu não consigo estar cá a essa hora. O melhor era mesmo por volta das nove, nove e meia...
- A essa hora só poderá ser no dia 30 de Novembro.
- Está bem, pode ser. Pode marcar menina. Obrigada.

LER


03 novembro 2009

triste(s) t(r)ópico(s)


Epitáfio a Claude Lévi-Strauss (28/11/1908 a 31/10/2009) - humilde e justo reconhecimento pelo seu trabalho, pelo seu pensamento e pelo seu contributo para a construção do edifício das ciências socias que hoje conhecemos.