28 janeiro 2007

Saldos

Uma vez mais, no Mercado Ferreira Borges, os livros em saldo.
É sempre bom saber que os poderemos encontrar e comprar substancialmente mais barato, nem que para isso tenhamos que cansar a vista e a paciência a percorrer as enormes mesas onde os livros estão aleatoriamente largados.
Tal como em tantas outras aí já realizadas, os famintos e sedentos viciados, mesmo na maior confusão e anarquia, vasculham, pegam, largam, tropeçam nos livros e aparentemente, a julgar pelo número de livros que carregam, acabam por encontrar aquilo que procuravam.
Pessoalmente, quando tenho conhecimento deste tipo de feiras, imagino-me logo a adquirir enormes quantidades de títulos em falta, só que, na realidade, acabo por sentir sempre uma enorme frustração, pois grande parte da oferta não me interessa.
Este ano, nem tão mal, acabei por juntar ao meu acervo mais cinco espécimes:
- O que é um autor? de Michel Foucault
- Ritos e Sociedade, Arquivos da Memória nº 4
- Educação, Jogo e Aprendizagem, Arquivos da Memória nº 6/7
- Maternidade de Margarida Ribeiro
- História da Família - Volume 4 - O Ocidente: industrialização e urbanização

24 janeiro 2007


Porque o tempo é de sérias decisões. Aproveito para partilhar, também aqui, a minha posição acerca deste grave problema social, entretanto, publicado no Jornal Nordeste, dia 9 de Janeiro.
eu, aborto, não

Eu abortei
Tu abortas
Ele/Ela abortará
Nós abortamos
Vós abortais
Eles/Elas abortarão

Sim. Foi, é e será assim! Belo princípio para um triste fim.

Até pode ser que alguns considerem inadequado este início de texto, outros, quiçá, até corem de indignação e não lerão mais do que isto, outros ainda, estarão já a adjectivar-me, mesmo assim, continuarei, porque entre o ontem e o amanhã esta é a verdade. Anuem ou não, gostem ou não, incomodados ou não, continuaremos a conjugar este verbo.

E por isso, porque a Assembleia da República votou favoravelmente a realização de um novo referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG); porque o Presidente marcou já a data dessa consulta popular para 11 de Fevereiro, porque o tempo urge; e porque a poluição e a propaganda já se fazem sentir, interessar-me-á aqui deixar a minha opinião e, já agora, a minha posição sobre este drama social.

Antes do mais, afirmo que sou contra o aborto e abomino a sua prática clandestina. Depois, não encaro esta (IVG), uma questão eminentemente política, por isso não considero que os partidos tenham que ter, obrigatoriamente, uma posição. Estamos perante uma questão de consciência cívica, perfeitamente individual, que deveria contar com a participação de todos os cidadãos e cidadãs individualmente, dos movimentos cívicos e associativos e, também, dos partidos políticos. Consequentemente, deveria suscitar a maior das discussões e esclarecimentos à população, no entanto, e por aquilo que me foi já possível ouvir e ler, são muitos os interessados em fazer ruído e lançar a confusão em torno desta questão, numa atitude que, sem dúvidas, promoverá a abstenção e a não participação da população.

Esta é uma questão de civilidade e demonstrará a evolução da mentalidade da sociedade portuguesa e no que a mim diz respeito, em consciência, não posso aceitar que as mulheres portuguesas continuem a ser levadas a julgamento, continuem a ser condenadas com penas suspensas (curioso como alguns, hipocritamente, gostam de enfatizar este último pormenor - …com pena suspensa.) Grande justiça a nossa!?... Sinto-me incomodado cada vez que tomo conhecimento, através dos órgãos de comunicação social, que uma mulher, que não é um número ou uma percentagem, como alguns nos querem fazer crer, é levada a tribunal por este motivo. Mais incomodado fico, ao perceber que a actual lei alimenta um sistema, punitivo, castrador e penalizador, que traz consigo reminiscências de um tempo de antanho, no qual o cidadão por tudo e nada era perseguido.

Hoje, em pleno século XXI a realidade, que determinada direita partidária, aquela que vive num outro “estado”, não conhece nem quer conhecer, é bem cruel, pois as mulheres portuguesas continuam a sentar-se no banco dos réus, humilhadas e intimamente devassadas e, para além disto - que por si é mais do que muito, ainda assistimos à romagem silenciosa e clandestina às clínicas e consultórios espanhóis, assim como todos nós sabemos, porque já aconteceu a alguém relativamente próximo, que não é preciso fazer muitos quilómetros para numa qualquer latrina privada perpetrar essa prática, pondo em eminente risco as vidas dessas mulheres. Alguém desmentirá tais factos?...

O que mais choca é a hipocrisia dessa reserva da moral e do bom costume nacional, que não tem a coragem de assumir que defende a criminalização do aborto, que considera criminosas aquelas que o praticam e que por isso só têm é que ser sancionadas e condenadas publicamente. Para além disto, irrita-me solenemente, o facto de os defensores do “não” à IGV se auto-proclamarem os arautos da seriedade, responsabilidade e bom senso, enquanto rotulam os defensores do “sim” à IGV de levianos e irresponsáveis.

Esta questão da IGV está ferida desde sempre, pois um outro governo socialista resolveu, em 1998, referendar esta matéria, trazendo para a sociedade civil a responsabilidade de algo que poderia legitimamente ser decidido pela Assembleia da República. Uma vez que o “não” então venceu, nunca agora poderia a Assembleia da República, ao contrário do que diz, por exemplo o PCP, decidir o contrário sem consultar novamente os eleitores. É uma questão de respeito e de legitimidade política, pois a consulta popular apesar de não ter um poder vinculativo tem uma forte significação política e há que saber fazer as leituras e interpretações dos resultados que vierem a acontecer. No caso de o “não” vencer, considero que tão cedo não deveremos voltar a sequer pensar no assunto, pois ficará mais do que demonstrado que, de facto, para os portugueses e portuguesas esta lei é mais do que suficiente e não vale a pena alterar o que quer que seja. Com pânico que isto possa vir a suceder, também vos digo que farei o que me for possível no sentido de promover o voto no “sim” na despenalização, porque é disso mesmo que se trata e nada mais.

Seja qual for o resultado deste referendo não vai deixar de haver crime de Aborto, mas se o “sim” à despenalização da interrupção voluntária da gravidez vencer, concerteza teremos uma sociedade melhor, mais humana, mais responsabilizada.
Em última análise e se assim o preferirem: SIM pela ESCOLHA, da JUSTIÇA contra a DESCRIMINAÇÃO, da VERDADE contra a HIPÓCRISIA, da RESPONSABILIDADE contra a INSEGURANÇA e, por vezes, a MORTE.

Apresentação

Pela permanente necessidade sentida de rabiscar opiniões e sentimentos, ainda que muitas vezes como reacção ao sucedido aqui ou acolá. Tenho para mim que podemos e devemos participar e ter espírito crítico, até porque continuamos a não ter acesso aos espaços privilegiados de opinião ou de discussão. Sem promessas, ou compromissos de assiduidade ou permanência, revejo este espaço como uma folha de papel onde poderemos trocar ideias e sensibilidades.
Aos meus amigos e aos demais o convite fica desde já feito, usem o universal direito ao contraditório e participem. Obrigado!